COMO VOCÊ VIVE O SEU DOMINGO?

COMO VOCÊ VIVE O SEU DOMINGO?

Os cristãos, com exceção dos adventistas do sétimo dia, guardam o domingo e não o sábado? Porque Jesus ressuscitou não no sétimo dia, mas no primeiro dia da semana e visitou os discípulos especialmente aos domingos e não aos sábados (cf. Lc 24,13; Jo 20,1.19.26; Ap 1,10). Justamente por isso, a palavra “domingo” significa “dia do Senhor”.

Qual o sentido do sábado, no Antigo Testamento? Ele celebrava duas coisas importantes: a primeira, o descanso de Deus (cf. Dt 5,14); a segunda, a libertação de Israel da escravidão do Egito (cf. Dt 5,15). Descansar um dia na semana é essencial para a nossa saúde física e mental (emocional). Além disso, esse descanso não se refere somente ao ser humano, mas ao planeta, à Terra: no sentido de que o ser humano não pode se relacionar com a terra como um predador, mas como um cuidador.

A lei do descanso questiona como vivemos o nosso domingo ou o dia de folga da semana. Normalmente, as pessoas enchem esse dia com ocupações que impedem um verdadeiro descanso, além de dar prioridade à diversão. O domingo ou o dia de folga da semana é um momento sagrado para estar com a família, principalmente, para aproximar mais com Deus, pois “se Deus não constrói a nossa casa, em vão nós trabalhamos” (Sl 127,1).

Se existem pessoas ou empresas que nunca param – o mercado tem pressa e sacrifica tudo em nome da sua ganância desmedida –, nós temos também aqueles que estão sempre muito ocupados em não fazer nada. A preguiça e o comodismo hoje são dois pecados muito presentes nas novas gerações, “deseducadas” desde cedo a receberem tudo na mão e a não esforçar-se para obter nada trabalhando. Aqui é preciso lembrar-se da advertência bíblica: “Quem não quer trabalhar também não deve comer” (2Ts 3,10).

Ainda a respeito da lei do descanso, o livro do Deuteronômio sublinha o perigo da escravidão: “Lembra-te de que foste escravo no Egito e que de lá o Senhor teu Deus te fez sair com mão forte e braço estendido. É por isso que o Senhor teu Deus te mandou guardar o sábado” (Dt 5,15). Ninguém de nós foi escravo no Egito, mas temos outros tipos de escravidão: celular, computador, filmes e séries – pessoas que passam o final de semana “maratonando séries” –, bebida alcoólica e outras drogas, pornografia, jogos de vídeo game etc. Esquecemos do alerta feito pelo apóstolo Paulo: “‘Posso fazer tudo o que quero’ – ou seja, sou livre! – ‘Mas não me deixarei escravizar por coisa alguma’” (1Cor 6,12).

Como Jesus viveu a lei do sábado? Ele a viveu segundo o espírito e não segundo a letra. Ao ser questionado por ter curado um paralítico num dia de sábado, Jesus respondeu: “Meu Pai trabalha sempre e eu também trabalho” (Jo 5,17). Ao ser questionado sobre o fato de os seus discípulos “trabalharem” para comer num dia de sábado, Jesus afirmou que o cuidado com a vida humana está acima de qualquer lei, seja ela civil, seja religiosa. Toda religião que presta culto a Deus descuidando ou sendo indiferente às necessidades de um ser humano não entendeu o mandamento de “guardar e santificar o dia do Senhor”.

Desde que nosso Senhor Jesus ressuscitou no primeiro dia da semana, o sentido religioso do sábado passou para o domingo, mudança testemunhada pela própria Sagrada Escritura.

Aqui cabe nos perguntar se o domingo ainda tem um sentido cristão para nós, ou se ele tem sido vivido num sentido pagão. Como as pessoas vivem o final de semana? Quantos de nós vivemos o final de semana como escravos do dinheiro e do consumismo, descuidando das coisas essenciais, como a saúde física e emocional, a vida espiritual, a presença e a convivência em família?

Voltemos ao Evangelho (Marcos 2,23-3,)6. Diante da frieza dos homens religiosos do seu tempo em estarem mais preocupados com a lei do que com a necessidade de salvação do ser humano, Jesus “olhou ao seu redor, cheio de ira e tristeza, porque eram duros de oração” (Mc 3,5). Hoje esse olhar de Jesus, cheio de ira e tristeza, se dirige para o Congresso e para o Senado, em Brasília, onde a maioria dos nossos políticos cria leis em benefício de si mesmos, dos seus interesses financeiros, assim como cria leis para que se mantenham fora do alcance da lei (Justiça). Esse mesmo olhar de Jesus, cheio de ira e tristeza, se dirige igualmente para o Supremo Tribunal Federal, onde parte daqueles juízes trabalha a favor da manutenção da injustiça, virando as costas para todos os brasileiros cuja vida está prejudicada por uma política e uma economia centrada nos interesses do Mercado e não nas necessidades do ser humano.

Mas, com certeza, o olhar de Jesus, cheio de ira e tristeza, se dirige também a toda Igreja e religião que “mantém a verdade prisioneira da injustiça” (Rm 1,18), que se preocupa com a observância da lei, ao mesmo tempo em que se mantém distante do drama real da vida das pessoas, cuja maioria vive “fora” das leis religiosas, muitas vezes porque esta mesma Igreja ou religião não se faz próxima das periferias existenciais onde vivem tais pessoas.

Para curar aquele homem com a mão atrofiada, Jesus lhe disse: “‘Estende a mão’. Ele a estendeu e a mão ficou curada” (Mc 3,5). Hoje Jesus diz a cada um de nós, cuja mão, cujos olhos e cuja boca talvez estejam atrofiados por causa do egoísmo, do individualismo ou da acomodação: “Estende a mão! Estende o teu olhar para além da lei, para que você possa enxergar as pessoas que à sua volta precisam ser salvas. Estende a tua voz para questionar toda lei civil ou religiosa que está a serviço da injustiça e não a serviço da verdade. Enfim, não reduza o seu relacionamento com Deus a uma observância fria de ritos, gestos vazios, e mecânica de leis religiosas, mas permita com que Ele faça de você uma presença de misericórdia diante de todo ser humano necessitado de que alguém lhe faça o bem, independente do dia da semana”.

Ao encerrarmos esta reflexão, lembremos de que, enquanto algumas pessoas vivem sua fé na estreiteza míope de leis que ignoram o drama da vida humana, existem muitas outras pessoas que, em nome da “ditadura” da felicidade pessoal, rejeitam toda e qualquer lei; rejeitam, inclusive, a distinção entre certo e errado, justo e injusto, porque a única “lei” que vale para elas é a “lei” do seu bem estar, a “lei” da sua felicidade pessoal, “lei” que todos os demais devem não apenas respeitar, mas à qual devem se sujeitar.

Por fim, o apóstolo Paulo na segunda carta aos Coríntios (2 Coríntios 4,6-11) nos recordou que todos nós somos vasos de barro. No dia do Senhor, especialmente, somos convidados a nos colocar nas mãos do nosso Oleiro Divino, para que ele trabalhe o vaso que somos em vista do nosso aperfeiçoamento. Sem esse deixar-se cuidar por Deus e sem nos alimentarmos da sua Palavra e da Eucaristia de seu Filho, somos engolidos pela angústia, perdemos a esperança, experimentamos o desamparo e corremos o risco de nos sentirmos aniquilados (destruídos) interiormente.