DECIDIR NÃO PERDOAR SIGNIFICA DECIDIR ADOECER

DECIDIR NÃO PERDOAR SIGNIFICA DECIDIR ADOECER

O texto do Evangelho de São Mateus, capítulo 18, nos orienta para duas coisas: 1. “É impossível que (na Igreja) não haja escândalo” (Mt 18,7); onde está o ser humano, ali está a possibilidade do erro, da falha, do pecado. 2. Diante do irmão que erra, é preciso colocar em prática a correção fraterna (cf. Mt 18,15-17), na tentativa de ajudar a pessoa a se tornar consciente de que seu erro está prejudicando a Igreja. Diante disso, Pedro, escolhido por Jesus para liderar a Igreja no sentido de confirmar seus irmãos na fé (cf. Lc 22,32), faz uma pergunta que pode ser traduzida desse modo: “Existe limite para o perdão?”. A resposta de Jesus é clara: “É preciso perdoar sempre, pois Deus nos perdoa sempre”. Essa certeza do perdão de Deus está claramente expressa no salmo de hoje: “Ele te perdoa toda culpa, e cura toda a tua enfermidade... Não guarda rancor. Não nos trata como exigem nossas faltas, nem nos pune em proporção às nossas culpas” (Sl 103,3.9-10).

Tanto o salmo 102, “O Senhor é bondoso, compassivo e carinhoso”, quanto o texto do Eclesiástico 27,33-38,9; nos tornam conscientes de que há uma relação direta entre falta de perdão e adoecimento: ao nos perdoar, Deus nos cura (cf. Sl 103,3), e o Eclesiástico pergunta: “Se alguém guarda raiva contra o outro, como poderá pedir a Deus a cura?” (Eclo 28,3). Imaginemos que a vida seja como um rio cuja água flui através da correnteza. Quando ficamos magoados com a pessoa que nos feriu, nós represamos a água do rio. Uma vez represada, essa água fica parada e apodrece dentro de nós. “Mágoa” pode ser traduzida como “má água”, uma água que está parada e apodrecendo dentro de nós, o que consequentemente nos adoece. Para evitar essa água represada, um exercício pode nos ajudar: imaginar a ofensa que o outro nos fez como algo que não precisamos nem devemos reter conosco, mas jogá-lo no rio da vida e deixar com que a correnteza leve aquilo embora.

Quando decidimos não perdoar, decidimos viver em função do passado. O rio da vida continua fluindo, mas nós nos recusamos a, escolhendo beber todos os dias uma xícara do veneno da raiva, da mágoa, do ódio, do ressentimento, não enxergando que a pessoa mais prejudicada com a falta de perdão somos nós mesmos.   

Na tentativa de nos tirar dessa paralisia que nos adoece, o livro de Eclesiástico 27, nos dá um conselho: “Lembra-te do teu fim e deixa de odiar” (Eclo 28,6). A vida é curta demais para escolhermos viver envenenados e adoecidos pela raiva ou pela mágoa. Quando menos imaginarmos, seremos recolhidos por Deus, e seria muito triste nos apresentarmos diante dele como quem não viveu tantas coisas que poderia ter vivido, porque escolheu enterrar-se vivo dentro do túmulo do ressentimento. Além disso, nos lembrar do nosso fim significa retomar a consciência de que seremos julgados por Deus, e nesse julgamento necessitaremos do seu perdão: “Perdoa a injustiça cometida por teu próximo: assim, quando orares, teus pecados serão perdoados” (Eclo 28,2). Jesus também deixou claro que quem se recusa a perdoar de coração ao seu irmão não receberá o perdão que necessita da parte de Deus (cf. Mt 18,35).

Talvez o nosso grande problema seja entender o que é perdoar. Se uma pessoa propositalmente nos fere, nos faz o mal, nós temos o direito de nos defender desse mal distanciando-nos e nos protegendo da pessoa. Esse distanciamento nem sempre é possível fisicamente, mas é sempre possível emocionalmente, internamente. Eu não posso escolher como a pessoa vai me tratar, mas posso escolher como vou responder ao que a pessoa está me fazendo. Ainda que todos os dias ela me ofereça veneno para beber, eu tenho a liberdade de não tomar o veneno, e assim me manter emocional e espiritualmente saudável.

O problema do perdoar não é quem foi machucado, ou ferido, mas sim a pessoa que o machucou. Ela sempre vai ferir o próximo, como uma cobra, vai trocando de pele e vai ficando mais forte. Nosso mundo é assim, quantas vezes perdoamos quem nos machucou e com o passar do tempo elas fazem a mesma coisa. Quem machucou ou quem foi machucado tem que aprender a se conhecer, a se observar para não cair nas mesmas tentações de prejudicar o próximo.

A fábula da tartaruga e o escorpião. Certo dia, estava o escorpião à beira de um rio, chateado, cabisbaixo. A tartaruga se aproximou e, solidária, perguntou-lhe: – O que há, escorpião, por que tanta tristeza? – É que eu queria atravessar o rio, mas não sei nadar – respondeu. A tartaruga generosa, disse: – Ora, suba aí nas minhas costas que eu te levo. Mas, prometa-me uma coisa: não vá me ferroar. – Prometo, claro que prometo – disse ele. No meio da travessia, o escorpião cravou seu ferrão mortal no pescoço indefeso da tartaruga que gritou: – Mas, o que você foi fazer? Agora morreremos os dois. Eu envenenada e você afogado. – Desculpe-me, tartaruga, eu não queria, mas você sabe como é… É da minha índole, minha natureza. Eu sou assim. Moral da história: Quem tem índole ruim, cedo ou tarde acaba mostrando o que realmente é.

A raiva é uma defesa natural, para nos proteger da pessoa que nos agride. Porém, quando decidimos prender a pessoa na nossa raiva, ela não sai mais de nós, e aquela presença venenosa nos adoece. Como se diz: “Guardar ressentimento é como tomar veneno e esperar que a outra pessoa morra” (autor desconhecido).

Mas, a história continua. O empregado, perdoado da grande dívida, encontrou um amigo, um companheiro que lhe devia um pouco dinheiro. Cobrou o seu dinheiro, na maior ignorância. O amigo fez como ele tinha feito com o patrão. De joelhos, pediu um prazo para quitar a dívida. O empregado não quis conversa, fez uma denúncia na Justiça e o colega acabou preso, e lá ficaria até que pagasse o último centavo.

A notícia circulou e chegou aos ouvidos do patrão. O empregado foi chamado. “Homem perverso, eu te perdoei toda a tua dívida porque tu me suplicaste. Não devias tu também ter compaixão do teu companheiro como eu tive compaixão de ti?” Qual é a lógica deste evangelho? Se Jesus perdoou nossos pecados, quem somos nós para não perdoar os pecados das pessoas. Se morrermos sem perdoar as pessoas, morremos com o risco da perdição. É preciso perdoar de coração, se você quiser ser salvo você terá que perdoar, deixar o orgulho, as magoas de lado, para entrar no céu, para ter paz. Perdoar quer dizer que você não precisa ser amigo da pessoa, lamber a pessoa, mas nunca faça mal e nem fala mal desta pessoa. Não siga a Lei de Talião, olho por olho, dente por dente, que significa se alguém lhe faz o mal, dê o troco em igual, ou semelhante. Portanto, você, por que julga seu irmão? E por que despreza seu irmão? Pois todos compareceremos diante do tribunal de Deus (Romanos 14,10-14).