SOLENIDADE DA IMACULADA CONCEIÇÃO DA VIRGEM MARIA
No dia 8 de dezembro, e dentro do Tempo do Advento, celebra-se a Solenidade da Imaculada Conceição. É a festa do começo absoluto, como afirma Paulo VI, quando Deus, por pura iniciativa sua, e preparando a chegada do seu Filho, preservou a Virgem Maria de toda a mancha de pecado original, para que na plenitude da graça fosse digna mãe de seu Filho. A Igreja sempre venerou a santidade da Mãe de Deus com o seu coração inteiramente voltado para Deus. Desse modo, se observa Maria como a mulher “cheia de graça” (Lc 1,28), saudada pelo anjo, na Anunciação. O dogma (afirmação de fé) da Imaculada Conceição da Virgem Maria, segundo o qual Maria, preparada por Deus para ser a Mãe de Seu Filho, foi concebida sem a mancha do pecado original, isto é, do pecado que todos nós herdamos de Adão (cf. Rm 5,12), por sermos humanos como ele e, portanto, passíveis de erro. Diferente de Maria, nós não somos “imaculados”; pelo contrário, temos consciência de que levamos conosco a “mácula” (mancha) do nosso pecado pessoal, além de nos “macularmos” com certas concessões que nos “mancham” por meio da corrupção, da desonestidade, da mentira e da agressividade nos tempos atuais. Diferente de Maria, que foi chamada pelo anjo de “cheia de graça” (Lc 1,28), nós não estamos “cheios” da graça de Deus, mas estamos aqui como Igreja para receber do Senhor a Sua graça, a graça que nos santifica por meio da Palavra que Ele nos fala (cf. Jo 15,3).
Para compreendermos a importância do dogma que afirma Maria como concebida sem a mancha do pecado original, precisamos nos voltar justamente para o momento em que esse pecado se dá, conforme relatado pelo texto de Gênesis. “Onde você está?”, perguntou o Senhor Deus a Adão (cf. Gn 3,9). Deus, que tudo vê e tudo conhece, fez esta pergunta a Adão, para que ele tomasse consciência da direção errada e destrutiva que o pecado estava dando à sua vida, quando decidiu desobedecê-Lo. Da mesma forma, através da pergunta “onde você está?” Deus nos ajuda a perceber qual tem sido a nossa parcela de responsabilidade naquilo que está acontecendo conosco. Portanto, não se trata de reclamar das nossas feridas, mas de agir com firmeza diante das situações que nos ferem. Eis a resposta de Adão: “Ouvi tua voz, (...) fiquei com medo (...) e me escondi” (Gn 3,10). Diariamente Deus fala conosco em nossa consciência. Diante dessa voz, sentimos medo ou nos sentimos amados por Deus? Quantas pessoas se escondem de Deus no seu dia a dia por meio do ativismo, não se dando a chance de serem encontradas por Ele através da oração? Adão estava com vergonha da sua nudez, mas hoje a Palavra do Senhor nos convida a olhar para a nossa nudez, para as consequências maléficas e destruidoras que o pecado causa em nós, e reconhecer que somente o Senhor pode cobrir a nossa nudez; somente Ele pode curar as feridas que o pecado tem aberto em nós, em nossa família, em nossa Igreja, em nossa sociedade. Por maior que possa ser o nosso pecado, devemos nos lembrar da Palavra que diz: “Onde foi grande o pecado, muito maior foi a graça” de Deus em nos salvar (cf. Rm 5,20).
Ao tentador, que seduz as pessoas por meio do pecado, Deus fez uma promessa: “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gn 3,15). Tal promessa se cumpriu na pessoa de Maria, cuja descendência (Jesus) veio nos libertar do círculo vicioso do pecado, conforme está escrito: “É pelo seu sangue que nós temos a redenção, a remissão dos pecados” (Ef 1,7). Maria sempre foi preservada da mancha do pecado, não por ser mais forte do que ele, mas por a Mãe do Salvador, o único que tem poder de destruir a força do pecado em nós.
Diante de uma geração como a nossa, que supervaloriza a estética, a beleza externa, a pele sem mancha e sem ruga, Maria Imaculada nos questiona quanto àquelas atitudes que trazem sujeira à nossa consciência e ao nosso coração. Em nome da melhora na vida financeira, quantas pessoas jogam sua ética no lixo? Em nome de compensar a sua carência afetiva, quantos mancham seu próprio leito conjugal ou o leito conjugal de outros com a sujeira do adultério? Quem de nós, cristãos, se incomoda com a sujeira do desmatamento na Amazônia, com a sujeira da morte de jovens negros e pobres em nosso país ou com a sujeira da desigualdade social que intensifica sempre mais a violência em nossas cidades? Quem de nós se sente incomodado com a mancha da vergonha no que diz respeito à Educação em nosso país, onde 4 em cada 10 alunos brasileiros, na faixa dos 15 anos, não entendem o que leem, não sabem fazer contas básicas e não compreendem conceitos elementares de ciência?
Maria sempre foi compreendida como imagem da própria Igreja. O que ela é a Igreja é chamada a ser. De maneira profética, o Papa Francisco declarou que prefere uma Igreja “suja”, que sai de si e vai até os outros, para curá-los, para salvá-los, a uma Igreja “pura”, fechada em si mesma, preservada do contato com o sofrimento humano: “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (EG 49). Essas palavras do Papa Francisco precisam gritar forte à nossa consciência, numa época em que cresce entre nós o número de cristãos conservadores e moralistas, que se mantêm distantes dos problemas sociais.
Finalizando esta reflexão, lembremos que se a nossa vida não é uma vida totalmente isenta de mancha, de pecado, ela é chamada a se tornar o “lugar da graça” de Deus, o lugar onde o Pai possa gerar seu Filho Jesus em nós, e por meio de nós, no mundo. O próprio Pai nos amou e nos escolheu em seu Filho Jesus “para que sejamos santos e irrepreensíveis, e vivamos sob o seu olhar, no amor” (Ef 1,4). Adão e Eva escolheram livremente se afastar desse olhar amoroso do Pai. Maria, pelo contrário, escolheu viver sob esse olhar: “Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!” (Lc 1,38). Que neste tempo de Advento, possamos a cada dia converter o nosso “não” (fechamento à vontade de Deus) em “sim” (abertura e docilidade à Sua vontade), sabendo que é através dos nossos gestos de amor e de serviço que Deus torna-Se presente no mundo e o transforma.
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