Tempo necessário para recompor nossos afetos
A Quaresma existe para nos lembrar que a nossa casa interior está pedindo para ser arrumada, colocada em ordem. Quarenta dias: tempo de tratar e curar as feridas que o pecado tem aberto em nós e à nossa volta; tempo de reconhecer o quanto nos afastamos da vontade de Deus e decidir voltar a viver segundo a Sua vontade. Quaresma é o tempo de renunciar a palavras inúteis, conversinhas, fofocas, e se aproximar do Senhor. É o tempo para desligar a televisão e abrir a Bíblia. É o tempo para se desligar do telefone celular e se conectar com o Evangelho.
Quanto à simbologia da Quaresma, vejamos: para chegar ao monte Horeb e se encontrar com Deus, Elias caminhou quarenta dias (cf. 1Rs 19,8). Para iniciar sua missão de nos salvar, Jesus permaneceu no deserto quarenta dias (cf. Mc 1,13). Jonas, por sua vez, assim pregou à cidade de Nínive: “Daqui quarenta dias, Nínive será destruída” (cf. Jn 3,4). Assim como os ninivitas tiveram um tempo de quarenta dias para se converterem e mudarem suas atitudes, assim a quaresma se abre hoje para nós como um tempo forte de conversão. No sentido geral, “conversão” significa “mudança”. Ele não é apenas mudança de direção, mas um “voltar-se”: “Agora, diz o Senhor, voltai para mim com todo o vosso coração (...). Voltai para o Senhor, vosso Deus; ele é benigno e compassivo, paciente e cheio de misericórdia, inclinado a perdoar o castigo” (Jl 2,12-13). Durante este período de quaresma, somos convidados por Jesus a rever as três principais relações da nossa vida: a relação com o próximo (esmola), a relação com Deus (oração) e a relação com nós mesmos (jejum). A relação com o próximo é retratada a partir da esmola porque o próximo é, sobretudo, o necessitado, alguém que à nossa volta está prejudicado e precisa da nossa caridade. A segunda relação que precisamos rever é aquela entre nós e Deus. Aqui se trata de rever a nossa vida de oração, prejudicada pela correria da vida moderna e pelas inúmeras solicitações das redes sociais. O conselho de Jesus – “quando tu orares, entra no teu quarto, fecha a porta, e reza ao teu Pai que está oculto” (Mt 6,6) – nos oferece uma pista importante de como recuperar a nossa intimidade com Deus na oração. Todos os dias precisamos criar um espaço dentro de nós para a oração, entrando na intimidade de nós mesmos (quarto) e fechando a porta para o barulho, para aquela infinidade de solicitações exteriores, para só então nos colocar como barro nas mãos do nosso Oleiro. A terceira relação que somos chamados a rever é aquela conosco mesmos. Mas, por que ela aparece na prática do jejum? Porque o jejum é um exercício de autodomínio. Nós estamos nos tornando pessoas cada vez mais sem autodomínio, pessoas incapazes de dizer “não” aos seus desejos e ambições, além de nos tornarmos incapazes de lidar com frustrações. Nós acabamos abrindo mão da liberdade diante dos nossos instintos e permitimos que eles passassem a controlar a nossa vida. Neste sentido, o jejum é um exercício de recuperação da nossa liberdade interior, uma purificação dos nossos instintos e desejos, uma revisão dos nossos valores, resgatando a noção daquilo que é verdadeiramente essencial em nossa vida.
Um gesto importante que nos introduz no tempo da quaresma é a imposição das cinzas em nossa cabeça. Este ritual das cinzas, na quarta-feira, deve expressar uma atitude de arrependimento e conversão. O significado dessas cinzas se encontra no livro do Gênesis: “Lembre-se de que você é pó e ao pó voltará” (Gn 3,19). As cinzas são colocadas em nossa cabeça para que tenhamos consciência de que o pecado produz morte em nós.
Todo ano, na quarta-feira de Cinzas, a Igreja nos oferece, para nos ajudar a viver bem a Quaresma, a Campanha da Fraternidade. Este ano de 2021, a Campanha da Fraternidade é ecumênica, formada por representantes das igrejas-membro do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs no Brasil (Conic). Vejamos as igrejas-membro: Aliança de Batistas do Brasil; Igreja Católica Apostólica Romana; Igreja Episcopal Anglicana do Brasil; Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil; Igreja Presbiteriana Unida; Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia; além da Igreja Betesda de São Paulo, como igreja observadora, e o Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e à Educação Popular (Ceseep), como membro fraterno. Com o objetivo geral de “através do diálogo amoroso e do testemunho da unidade na diversidade, inspirados e inspiradas no amor de Cristo, convidar comunidades de fé e pessoas de boa vontade para pensar, avaliar e identificar caminhos para a superação das polarizações e das violências que marcam o mundo atual”. Portanto, o tema da Campanha da Fraternidade 2021 é “Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor”. E o lema vem da Carta aos Efésios (2, 14): “Cristo é a nossa paz: do que era dividido, fez uma unidade”. Dado o exposto, que tenhamos uma ótima Quaresma, e busquemos o diálogo, a conversão, neste tempo favorável, para a nossa salvação, para a Páscoa que se aproxima todos os dias.
Padre Edson Alves de Oliveira.
Paróquia São José Operário. Guaxupé-MG.
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