SANTIDADE É UM CAMINHO QUE DEVE SER RETOMADO DIARIAMENTE

SANTIDADE É UM CAMINHO QUE DEVE SER RETOMADO DIARIAMENTE

Como nasce a devoção aos Santos? Normalmente, ela nasce a partir de uma necessidade, de uma urgência, de um pedido de intercessão. Mas pode acontecer também que essa devoção nasça da leitura da história de vida de um(a) Santo(a), que acaba inspirando a pessoa a buscar o seu melhor: “Importante é que cada fiel entenda o seu próprio caminho e traga à luz o melhor de si mesmo” (Papa Francisco, GE, n.11). Nessas palavras do Papa Francisco fica claro que ser santo não consiste em nos tornarmos uma pessoa diferente daquela que somos, mas em nos tornarmos a pessoa que fomos chamados a ser, deixando vir à luz o melhor de nós mesmos.

A comemoração de todos os Santos nos recorda a nossa vocação, o nosso chamado à santidade: o Pai Santo “nos quer santos e espera que não nos conformemos com uma vida medíocre, superficial e indecisa, injusta e corrupta... Todos somos chamados a ser santos, vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia, onde cada um se encontra” (Papa Francisco, GE n.14). Deus não quer que vivamos uma vida sem sentido, sem alma, sem razão de ser, sem alegria. O tempo em que fomos chamamos a viver e o lugar aonde a mão de Deus nos plantou são exatamente o contexto onde somos chamados a abraçar a nossa vocação à santidade. É ali, e não em outro lugar, que se encontra a ocasião mais oportuna para a nossa santificação, para desenvolvermos o melhor de nós mesmos. É na rotina de cada dia, nas ocupações diárias, que cada um de nós é chamado a santificar-se e a santificar o mundo.

 

No livro do Apocalipse, as pessoas santas recebem a marca do Deus vivo em sua fronte = consciência (cf. Ap 7,3). No entanto, no mundo atual, quase não se fala de consciência. Tudo é reduzido à emoção, ao coração. Muitas pessoas, ao fazerem uma escolha ou tomarem uma decisão, não consultam sua consciência, mas sim as emoções que sentem no momento. Por isso, erram muito: ferem e são feridas.

 

Jesus deixou esse caminho descrito para nós nas bem-aventuranças, as quais devemos entender como atitudes de vida: ser pobre em espírito, isto é, viver na absoluta dependência de Deus e na confiança em seu amor; ser aflito, no sentido de deixar-se afetar pelo sofrimento alheio; ser manso, aprendendo a lidar consigo mesmo e com os outros; ter fome e sede de justiça, no sentido de não desistir de ser uma pessoa justa e de trabalhar em favor daquilo que é justo; agir com misericórdia para consigo mesmo e para com os outros; ser puro de coração, tendo reta intenção e valorizando o bem que habita em cada pessoa; promover a paz, desarmando-se e ajudando os outros a se desarmarem no relacionamento cotidiano; suportar ser perseguido ou criticado por ser uma pessoa justa; enfim, suportar ser perseguido ou criticado por servir a Jesus e à causa do Evangelho.  

 

Enfim, devemos ainda recordar um outro aspecto importante, para o nosso caminho de santificação: “Não podemos propor-nos um ideal de santidade que ignore a injustiça deste mundo” (Papa Francisco, GE, n.101). As pessoas santas não são aquelas que se mantêm distantes da dor humana; pelo contrário, são aquelas que enxergam onde há injustiça e se colocam na defesa dos injustiçados, à semelhança de Jesus. Não por acaso, nos foi dito no livro do Apocalipse que os Santos “vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram suas vestes no sangue do Cordeiro” (Ap 7,14). Enfrentemos com coragem as tribulações que nos são propostas pela vida, consequência da nossa busca em nos santificarmos e vivermos segundo o Evangelho de Jesus.

 

Biblicamente, a palavra “santo” significa “separado”. Separados do mundo, no sentido de não se deixarem corromper, de não terem em Si mesmos nenhum espaço para o mal. Nós, somos convidados a buscar diariamente a nossa santificação, a santidade o que significa estar no mundo mantendo a consciência de que não somos do mundo.

Antes de entendermos o que é ser santo, precisamos compreender o que a Sagrada Escritura entende por “mundo”. Muitas pregações demonizam o mundo, omitindo a verdade de que o mal também está dentro das igrejas e religiões, além de encontrar espaço no coração de cada ser humano. Quando Jesus ora pelos seus discípulos, expressa-se dessa forma ao Pai: “Não peço que os tires do mundo, mas que os guardes do Maligno” (Jo 17,15). Nós não podemos ser tirados do mundo porque o mundo é justamente o nosso campo de missão. Assim como fez em relação a Jesus, o Pai nos enviou ao mundo para salvá-lo, não para condená-lo (cf. Jo 3,16). Quando João afirma que “o mundo inteiro está sob o poder do Maligno” (1Jo 5,19), está se referindo àqueles que não creem no Filho de Deus, e não à humanidade, à qual Deus ama e deseja salvar.

Se ser santo significa separar-se do mundo, trata-se de manter a nossa consciência voltada para Deus e não nos tornarmos cristãos mundanos, aprendendo a filtrar, a discernir, a separar o que convém daquilo que não convém à nossa salvação. Somente quem se deixa corrigir e orientar pela Palavra de Deus consegue separar-se das mentiras do mundo, mentiras que visam corromper nossos valores, nos fazendo correr todos os dias atrás de falsas promessas de felicidade enquanto perdermos a nossa alma e nos desviamos do caminho da salvação.

Não podemos buscar uma santidade individualista tornando-nos indiferente às injustiças que fazem pessoas sofrerem à nossa volta.

 

O livro do Apocalipse nos torna conscientes de que não existe santificação sem luta, e a primeira luta que temos que travar é conosco mesmos, com a nossa preguiça e o nosso comodismo, com o nosso pecado, que sempre visa aquilo que nos dá algum lucro ou algum prazer, ainda que isso seja mal aos olhos de Deus e prejudique outras pessoas. A veste branca só será dada no céu àqueles que passaram por tribulações, que são exatamente o preço que pagamos para não aderir à mentira, à injustiça e ao Maligno. Na verdade, ninguém de nós chegará diante de Jesus com a veste branca, seja porque somos pecadores, seja porque travamos uma batalha espiritualmente sangrenta contra o mal. Nossa veste só ficará branca quando for lavada no sangue do Cordeiro, isto é, quando, apesar do sofrimento, imitarmos Jesus na busca diária de viver segundo a vontade do Pai.