A VERDADEIRA TRAGÉDIA
Uma das perguntas mais antigas da humanidade é esta: “Por que algumas pessoas sofrem mais do que outras?” Ou então: “Por que meu casamento não deu certo, mas o dos outros deu?” Ou ainda: “Por que meu filho morreu de câncer ou de acidente, mas os filhos dos outros estão vivos e esbanjando saúde?” Por trás da pergunta “por quê?” há uma outra pergunta: “De quem é a culpa?”, ou então, “Quem é o responsável pelas tragédias que atingem algumas pessoas?” Vez ou outra, nós ficamos sabendo de alguma tragédia: um acidente de carro ou de avião, que causou a morte de diversas pessoas; uma catástrofe natural (terremoto, por exemplo, ou chuvas intensas numa determinada região) que levou à morte muitas pessoas; um ataque terrorista em uma escola, em um templo ou em uma rua movimentada, que também provocou a morte de diversas pessoas etc. As tragédias não apenas estão presentes na história da humanidade, mas, sobretudo em nossa época, elas são uma espécie de combustível da mídia: noticiar tragédias faz subir a audiência dos meios de comunicação.
Como nós interpretamos as tragédias? Desde a época de Jesus até hoje, muitas pessoas julgam ter encontrado a resposta para essas perguntas: “Deus é o responsável pelo mal que existe no mundo, e Ele envia o mal para punir toda pessoa que peca”. Portanto, quando alguma tragédia atinge determinadas pessoas é porque aquelas pessoas fizeram por merecer; elas tinham alguma culpa e esta culpa tinha que ser redimida, através daquele sofrimento. Jesus rejeita totalmente essa teoria. Deus: Ele é amor, Pai rico em misericórdia e em perdão. Ele não se alegra com a morte do pecador, mas deseja que ele se converta e viva (cf. Ez 18,23). Além disso Deus não vai colocar uma redoma de vidro para proteger alguns das tragédias e deixar propositalmente outros expostos a essas mesmas tragédias. Ao invés de julgarmos as pessoas atingidas por tragédias merecedoras das mesmas, devemos refletir seriamente sobre essas palavras de Jesus: “Se vocês não se converterem, morrerão todos do mesmo modo” (Lc 13,3.5).
Naquele tempo, vieram algumas pessoas trazendo notícias a Jesus a respeito dos galileus que Pilatos tinha matado, misturando seu sangue com o dos sacrifícios que ofereciam. Jesus lhes respondeu: ‘Vós pensais que esses galileus eram mais pecadores do que todos os outros galileus, por terem sofrido tal coisa? Eu vos digo que não. Mas se vós não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo’. Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha. Foi até ela procurar figos e não encontrou. Então, disse ao vinhateiro: ‘Já faz três anos que venho procurando figos nesta figueira e nada encontro. Corta-a!’” (Lucas 13,1-3.6-7).
Meus irmãos e minhas irmãs, estamos neste tempo quaresmal buscando, com a graça de Deus, cortar da nossa vida tudo aquilo que nos afasta do Senhor. Queremos tirar da nossa vida toda e qualquer realidade de pecado que nos afaste da vontade e do querer de Deus. Quando Jesus fala sobre esse episódio, desses galileus que morreram dessa forma trágica, Ele, no final, diz: “do mesmo jeito”. Não é que Jesus queria se referir à forma trágica como essas pessoas morreram, porque Jesus não tem o prazer de elencar a forma tão dramática com que essas pessoas perderam a vida, mas Ele quer ressaltar a forma imprevisível com a qual isso aconteceu. Jesus aproveitou de duas notícias trágicas na sua época para chamar a atenção sobre a maneira como as pessoas vivem: “Se vocês não se converterem, morrerão todos do mesmo modo” (Lc 13,3.5). Na época de Jesus, existia uma mentalidade perigosa que associava a tragédia ao “merecimento”: pessoas que morreram de forma trágica eram “pecadoras”. A morte súbita delas foi um castigo, por causa dos pecados que cometeram. Jesus jamais concordou com essa interpretação míope frente a uma tragédia. E esse é o ponto de reflexão para nós. Porque, nós também, muitas vezes, pensamos ter mais tempo, pensamos fazer mais alguma coisa, pensamos em ter que fazer algumas coisas; e isso pode causar em cada um de nós aquele mal que nós já falamos aqui, que é o mal da procrastinação, de deixar sempre para depois as coisas que precisamos fazer hoje, porque, hoje, pode ser o último dia da nossa existência.
No final do Evangelho, aparece essa imagem da figueira que Jesus apresenta, mostrando para nós os dias da nossa existência. Essa figueira somos nós, são os dons de Deus. A nossa vida é um dom de Deus, não é um direito os dias que nós temos para viver, mas os nossos dias revelam a paciência de Deus, o esperar de Deus; a paciência de Deus de esperar a nossa conversão. Deus é paciente, mas precisamos tomar atitudes, precisamos responsavelmente tomar nas mãos o nosso caminho pessoal de conversão. Porque, um dia, todos nós prestaremos contas da nossa existência. Por isso, preciso entender quem eu evangelizei com a minha vida, quem eu orientei para o caminho do Senhor, quais são os frutos de conversão na minha vida, onde estão esses frutos. Não é realização pessoal, não tem nada a ver com isso, mas são os frutos espirituais! Essa figueira, que é a nossa vida, precisa dar frutos; e, para que ela dê frutos, muitas vezes, precisa dessas podas, e essas podas precisam acontecer no hoje e no agora da nossa vida, porque também passaremos pela experiência de prestar contas da nossa vida a Deus. Há quanto tempo a vida tem dado sinais de que você precisa mudar suas atitudes? Quantas tragédias ainda serão necessárias para você se dar conta de que está se destruindo, ou destruindo pessoas à sua volta? Deus plantou você neste mundo como uma árvore fecunda, capaz de produzir bons frutos. Até quando você vai se comportar na vida como uma árvore inútil, que tem preguiça de fazer o bem de que é capaz? Um dia eu e você seremos cortados da terra, isto é, seremos recolhidos por Deus. Como nos apresentaremos diante d’Ele: com as nossas mãos vazias ou com as nossas mãos cheias das boas atitudes que tomamos em favor do bem da humanidade? Diante da iminência de se cortar a figueira que não estava produzindo frutos, o servo sugeriu: “Senhor, deixa a figueira ainda este ano. Vou cavar em volta dela e colocar adubo. Pode ser que venha a dar fruto. Se não der, então tu a cortarás” (Lc 13,8-9). Este servo representa Jesus. Ele é não somente nosso intercessor junto do Pai, mas também aquele que diariamente lança o adubo do Evangelho nas raízes da nossa consciência, na esperança de que voltemos a produzir frutos, fazendo o bem que somos capazes de fazer. Temos mais este ano, mais esta quaresma, mais um tempo para sairmos da nossa preguiça espiritual e nos dedicarmos com seriedade à nossa conversão. Quando menos imaginarmos, este tempo terminará e o Senhor nos visitará. Será a hora do nosso julgamento. Que ele seja um julgamento de salvação e não de condenação.
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