“O pior cego é aquele que não quer enxergar”

“O pior cego é aquele que não quer enxergar”

A tristeza, a depressão, o pessimismo, a sensação de que somos engolidos por algum problema podem nos tornar cegos, incapazes de enxergar Deus junto a nós; incapazes de enxergar algo de bom em nós, nas pessoas, na vida, no mundo.

Alguns não enxergam suas capacidades, suas potencialidades, mas apenas suas fraquezas; outros são cegos sendo guiados por outros cegos, no campo da política e da religião (cf. Mt 15,14). Alguns católicos recusam a visão de Igreja do Concílio Vaticano II, do Papa Francisco e dos nossos bispos (CNBB), mas aceitam cegamente a visão de Igreja de um padre da mídia ou de líderes Movimentos Religiosos Tradicionalistas.

São muitos os tipos de cegueira no mundo atual. Além de a Covid desencadear um processo de cegueira em muitas pessoas diabéticas, nós temos hoje a cegueira ideológica promovida pelas redes sociais; a cegueira que ocorre dentro de casa – um se recusa a ver o que se passa com o outro – ; a cegueira produzida pelo vício do celular, que impede enxergar o que acontece à volta da pessoa; a cegueira provocada pelas fake news (política de desinformação) – a pessoa nunca leu um livro de Paulo Freire, mas o odeia, rotulando-o de “comunista”. Aliás, qualquer pessoa que se posicione contrária a alguma atitude do atual governo é atacada com discursos de ódio nas redes sociais, inclusive por católicos que se julgam guardiães da “sã doutrina”.

O que fazer quando não enxergamos um caminho, uma saída, uma possibilidade de reconstruir aquilo que foi destruído em nossa vida? Exatamente nessa situação, o profeta Jeremias convidou o povo de Israel a clamar: “Salva, Senhor, teu povo, o resto de Israel” (Jr 31,7). Diante desse clamor, Deus prometeu abrir um caminho.

Qualquer que seja a nossa cegueira neste momento, a nossa impossibilidade de ver uma saída, precisamos fazer nossas as palavras do salmista: “Mudai a nossa sorte, ó Senhor, como torrentes no deserto. Os que lançam as sementes entre lágrimas, ceifarão com alegria” (Sl 126,4-5). A tristeza não pode nos impedir de lançar sementes. Justamente porque está escuro, precisamos semear luz; porque é tempo de intolerância, precisamos semear tolerância; porque é tempo em que nossa Igreja é acusada de ser composta por “safados e pedófilos”, precisamos semear discernimento e ajudar as pessoas a enxergarem que aqueles que desejam desacreditar a nossa Igreja são os mesmos que promovem as desigualdades sociais e lucram com a consequente violência que tanto mata em nosso País.

Em suma, numa época em que se procura passar a visão distorcida de uma Igreja onde ninguém presta, é preciso ajudar as pessoas a enxergarem e distinguirem o bebê da água do banho, para não se jogar tudo fora.

Olhemos para Bartimeu: cego e mendigo. Interessa à elite brasileira, que manda nos políticos, manter o nosso povo cego, com baixa escolaridade e com baixa capacidade de reflexão. Todo cego se contenta em sobreviver com esmolas, com migalhas; um povo cego “sai barato” para o governo. Mas Bartimeu deseja sair dessa sua condição e, ouvindo falar que Jesus estava passando por ali, grita incessantemente por ele: “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!” (Mc 10,47). O problema é que o grito de Bartimeu era repreendido por muitos. Quantos “católicos” usam as redes sociais para “repreenderem” nossos bispos ou o Papa Francisco quando eles gritam contra as injustiças sociais, a fome, o desmatamento na Amazônia, a violência que tanto mata em nosso País? (Pe. Paulo Cezar Mazzi).

Mas Bartimeu não se intimida e grita ainda mais. Assim também deve ser a nossa fé: gritar, a exemplo do salmista que afirmou: “Este infeliz gritou a Deus e foi ouvido, e o Senhor o libertou de toda angústia” (Sl 34,7). E foi assim que o grito de Bartimeu chegou aos ouvidos de Jesus: “Filho de Davi, tem piedade de mim!” Então Jesus parou e mandou chamar Bartimeu, que por sua vez jogou o manto, deu um pulo e foi até Jesus. Jesus lhe perguntou: “O que queres que eu te faça?” Bartimeu respondeu: “Que eu veja novamente!” Bartimeu não era cego de nascença. Ele ficou cego em algum momento de sua vida e agora deseja “voltar a ver”. Jesus hoje nos faz a mesma pergunta que fez a Bartimeu: “O que você deseja que eu lhe faça? O que você realmente quer? Você quer uma cura profunda, que faça você enxergar a verdade, ou quer apenas um remendo provisório para aliviar a sua dor? Você quer voltar a ver, o que vai exigir que você não viva mais da compaixão dos outros? Você quer enxergar a vida a partir dos seus próprios olhos, ao invés de ficar repetindo discursos dos seus guias cegos?

Diante do sincero desejo de Bartimeu que voltar a ver, Jesus lhe restituiu a visão, dizendo: “Vai, a sua fé curou você” (Mc 10,52). Graças à teimosia do seu grito, graças à persistência de sua fé, Bartimeu não precisa mais viver como mendigo, assumindo a responsabilidade por sua própria vida. Nós não temos fé, queremos uma vida boa, cheia de glória, estar na mídia, ser o centro das atenções.

Para surpresa de Jesus, após recuperar a visão, Bartimeu não foi embora para casa, mas passou a seguir Jesus, exatamente na etapa final da sua viagem para Jerusalém, onde ele se confrontaria com a cruz. Essa decisão de Bartimeu em seguir Jesus revela uma fé contínua, um seguimento que não é temporário, nem sustentado pela emoção do momento, mas um seguimento que se tornou compromisso de vida. Enquanto os doze discípulos estavam seguindo Jesus com medo de enfrentarem a cruz, Bartimeu tomou a firme decisão de permanecer com Jesus, até o fim.