Cangaço ontem e hoje: mesmas armas, fins opostos
A imagem do cangaço costuma evocar figuras como Lampião, Maria Bonita e seus companheiros, todos vestidos com gibão de couro e armados com rifles, desafiando coronéis e tropas do governo no sertão nordestino. Já o “novo cangaço” surge em vídeos que viralizam nas redes sociais: homens mascarados, com fuzis de alto calibre, explodindo bancos em cidades pequenas, fazendo reféns e fugindo em comboios que lembram cenas de guerra.
É fácil traçar paralelos entre esses dois fenômenos violentos − ambos operam à margem da lei, desafiam o Estado e utilizam a força armada como ferramenta principal. No entanto, é um erro histórico tratar o cangaço tradicional e o “novo cangaço” como manifestações de uma mesma lógica. O que os diferencia, acima de tudo, são seus objetivos.
O cangaço de Virgulino Ferreira, o Lampião, nasceu num contexto de injustiça crônica. Seus bandos atuavam num Brasil arcaico e profundamente desigual, onde o Estado era ausente e os coronéis impunham suas leis particulares. O cangaço era, em parte, uma resposta social violenta, marcada por códigos próprios e por uma certa retórica de justiça: muitos cangaceiros eram recrutados com promessas de vingança contra abusos cometidos por poderosos locais. Seus objetivos, embora marcados pelo crime, orbitavam também questões simbólicas e até políticas. Era, de certa forma, uma forma de inserção − violenta, sim − em um sistema que os havia excluído.
O “novo cangaço”, por outro lado, é uma operação puramente financeira. Seu objetivo é o lucro direto e imediato, sem qualquer discurso social ou pretensão simbólica. Trata-se de uma modalidade de ação planejada por quadrilhas altamente estruturadas, muitas vezes ligadas ao crime organizado nacional. A motivação não é responder à opressão local ou vingar injustiças − é atacar o ponto mais vulnerável do sistema financeiro (as cidades do interior, com pouca estrutura policial) para extrair o máximo de dinheiro em pouco tempo.
Ou seja: se o antigo cangaço buscava se vingar da estrutura opressora, o novo cangaço explora essa estrutura para enriquecimento rápido. Não há laço comunitário, não há código de honra, não há pretensão de representar ninguém além do próprio grupo armado.
Confundir os dois é obscurecer as causas sociais de cada um e, mais grave ainda, pode romantizar o que hoje é uma ação puramente criminosa e destrutiva. É importante reconhecer que o cangaço de ontem, embora violento, nasceu de um Brasil que negava direitos básicos à maioria da população. Já o novo cangaço é fruto de um outro Brasil, apesar de ser profundamente desigual.
Comentários (0)