Caso Marques: Tribunal do Júri absolve seguranças pelo crime de homicídio triplamente qualificado; advogado da família de Luís Henrique Marques confirma recurso para anulação do julgamento
“Tudo que consigo dizer é que, no tribunal, não foi uma peça de acusação e uma de defesa, mas sim duas peças de acusação. A defesa dos réus, de forma muito bem elaborada, fez uso do júri para descaracterizar a vítima – neste caso meu pai – e configurá-la como réu. O que senti é que não foram julgados os fatos, mas sim certas acusações contra a vítima, que morto não pode se defender. Violência doméstica e de gênero existe e deve ser repudiada, mas não era isso que estava sendo julgado naquele dia; quem estava em processo de julgamento não era meu pai, sim quem o matou.” - LEONARDO MARQUES, FILHO DE LUÍS HENRIQUE MARQUES
Após aproximadamente 10 horas, ocorreu o desfecho de um dos casos policiais que mais comoveu a cidade de Bariri nos últimos quatro anos: a morte do advogado Luís Henrique Marques, aos 51 anos. O baririense sofreu traumatismo cranioencefálico e morreu em 03 de março, na UTI da Santa Casa de Jaú, nove dias após um episódio ocorrido na noite de 23 de fevereiro de 2020, durante o tradicional carnaval do Umuarama Clube.
Na data em questão, Luís Henrique Marques, em estado de embriaguez, foi retirado do clube por alguns seguranças que prestavam serviços terceirizados no evento. Câmeras de monitoramento flagraram a ação, que durou pouco mais de um minuto. As imagens mostram Marques em um dos portões externos do clube, cercado por pelo menos seis seguranças.
Após passar pelo portão, Marques é agredido pelas costas. Cambaleando, ele reage, mas é agredido por pelo menos três homens. Outros três observam o espancamento. Depois de levar vários chutes, pontapés e socos, o advogado cai desacordado e fica no chão. Os agressores ainda mexem nas pernas da vítima e observam que o homem está imóvel.
As imagens do circuito externo de monitoramento foram cruciais para que o promotor de Justiça, dr. Nelson Aparecido Febraio Junior, apresentasse denúncia contra três seguranças: Eduardo de Araújo Alves, Álvaro Augusto Paleari Junior e Luiz Machado Rocha Filho, acusados pelo crime de homicídio triplamente qualificado (motivo fútil, meio cruel e recurso que impossibilitou a defesa da vítima). O Judiciário acatou a denúncia do Ministério Público e pronunciou os réus, que foram submetidos ao Tribunal do Júri por se tratar de um crime hediondo (que atenta contra a vida).
Entre 9h e 19h30 de terça-feira (16), a Sala do Júri da 1ª Vara Judicial de Bariri permaneceu com 100% dos assentos destinados ao público ocupados. Dezoito testemunhas foram ouvidas no plenário. Após se reunirem na “Sala Secreta” com o Juiz dr. Igor Canale Peres Montanher, os jurados (seis mulheres e um homem, escolhidos através de sorteio), concluíram que Eduardo, Alvaro e Luiz Machado não cometeram homicídio e que não tiveram a intenção de matar a vítima.
A decisão final condenou apenas Eduardo de Araújo Alves por lesão corporal seguida de morte. A pena de Eduardo (quatro anos) será cumprida em regime aberto. Alvaro e Luiz Machado foram totalmente absolvidos.
O que alegou a defesa?
Os réus foram defendidos pela advogada jauense dra. Daniela Rodrigueiro. Para apresentar sua peça diante do júri, ela sustentou principalmente o fato de que Luís Henrique Marques possuía histórico de relacionamento abusivo com sua ex-esposa (alegação que, diante de um júri composto em sua maioria por mulheres, pode ter sido crucial para o veredicto).
No dia 23 de fevereiro de 2020, Marques se desentendeu com a ex-companheira durante o carnaval. A mulher prestava serviço como freelancer no Umuarama Clube e acionou a equipe de segurança após ser ameaçada pela vítima.
Daniela Rodrigueiro exibiu ao júri registros telefônicos que mostravam inúmeras ligações de Marques para o número da ex-esposa. Com base no depoimento da mulher, a advogada sustentou que a vítima não aceitava o fim da relação; que praticou episódios de violência doméstica ao longo dos 10 anos de relacionamento.
A ex-companheira de Marques disse que ele a ameaçou de morte no dia do fato. Duas funcionárias que também trabalhavam no evento e o gerente administrativo do Umuarama alegaram o mesmo em seus respectivos testemunhos.
Dra. Daniela Rodrigueiro ainda colocou em dúvida uma possível queda de Marques da maca do hospital, após o advogado ter dado entrada na Santa Casa de Bariri. Uma enfermeira da Santa Casa que estava de plantão na noite do fato, negou a suposta queda.
Durante as oitivas de Eduardo, Alvaro e Luiz Machado, os réus negaram o uso de violência extrema contra Marques. Os seguranças alegaram que a vítima partiu para cima da equipe por diversas vezes, que tiveram que agir em sua própria defesa e que Marques caiu e bateu a cabeça no chão da calçada do Umuarama.
De acordo com os seguranças, a equipe ficou apreensiva principalmente após notar um objeto prateado na mão de Marques durante a confusão. Pensando se tratar de um canivete ou outra arma, eles disseram que agiram para “desarmar” a vítima. Depois que Marques caiu ao chão, ficou constatado que o objeto em questão se tratava de um molho de chaves.
Por fim, dra. Daniela exibiu ao júri um relato do Delegado Titular de Bariri, dr. Marcílio César Frederici de Mello, responsável pelo inquérito que apontou a ocorrência como um caso de lesão corporal seguida de morte.
O que alegou a acusação?
O Promotor de Justiça dr. Hércules Sormani Neto e o assistente de acusação dr. Gabriel Oliveira Pires de Moraes, apresentaram a tese da acusação, representando os familiares de Luís Henrique Marques. Assim como a denúncia inicial apresentada pelo Ministério Público, eles se basearam principalmente nas imagens externas do circuito de monitoramento que flagraram a ação dos seguranças na noite de 23 de fevereiro de 2020.
A acusação exibiu o vídeo por algumas vezes aos jurados, sustentando que Eduardo, Alvaro e Luiz Machado agrediram violentamente Marques com socos e pontapés, destacando o fato de que a vítima estava sozinha e em estado de embriaguez, enquanto os seguranças estavam em maior número.
Dr. Gabriel ressaltou que Eduardo e Alvaro são praticantes experientes de Jiu Jitsu (arte marcial japonesa que utiliza diferentes técnicas e golpes corporais para derrotar ou imobilizar o oponente), sendo Eduardo faixa preta e Alvaro faixa roxa do esporte. A defesa questionou, por vários momentos, por que os seguranças simplesmente não colocaram Marques para fora do clube e acionaram a polícia.
O assistente de acusação exibiu aos jurados fotos do corpo da vítima, bem como o exame da médica legista que constatou lesões frontais, na face e na base do crânio como causa determinante da morte. Um áudio do médico plantonista que atendeu Marques também foi mostrado ao júri. No conteúdo, o médico afirma que a vítima estava com a face lesionada “como um lutador de MMA”.
Por fim, a acusação ainda fez mais um questionamento acerca do comportamento dos seguranças. Imagens das mesmas câmeras de monitoramentos flagraram pelo menos um dos réus procurando por câmeras nas proximidades do portão do Umuarama onde aconteceu o fato. Para a acusação, esse fato provou que os réus tinham conhecimento dos abusos que cometeram contra a vítima, e preocuparam-se com a possibilidade de as agressões terem sido registradas (conforme realmente ocorreu).
Recurso movido por advogado da família da vítima tentará anular o júri
Em nota enviada à nossa reportagem, o advogado dr. Gabriel Oliveira Pires de Moraes, que atuou como assistente de acusação durante o processo, confirmou que, a pedido da família de Luís Henrique Marques, entrará com um recurso para tentar anular o veredicto do Tribunal do Júri.
“A família do dr. Luís Henrique Marques vem a público informar, através de seu advogado que atua como assistente de acusação ao lado do Ministério Público, que recebeu com indignação o veredicto formado pela maioria do Conselho de Sentença. Entendemos que a decisão é manifestamente contrária à prova dos autos e, por isso, dela recorreremos em busca da anulação do júri e submissão dos réus a novo julgamento popular”, diz o pronunciamento.
O recurso de apelação de decisões do Tribunal do Júri, previsto no artigo 593, III, "d", do Código de Processo Penal, só permite a revogação do veredicto quando for constatado que a decisão do Conselho de Sentença é contrária às provas reunidas durante a instrução processual. Assim, esse instrumento não pode ser manejado como meio irrestrito de reforma de decisões.
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