Destronando o coração
Atenção: a crônica de hoje não tem nada a ver com a realeza britânica. O trono aqui aludido não é de ouro e seu ocupante não usa coroa – quando muito, se a situação exigir, usa um modesto marca-passo. Estou falando do coração. Que, segundo consta, é igual em todas as pessoas, mas recebe tratamento diferente, tanto em vida – é claro que o coração de um rei é mais bem cuidado do que o de um plebeu - quanto após a morte – basta lembrar que o coração de Dom Pedro I foi trazido de Portugal para o Brasil como parte das comemorações dos 200 anos de nossa independência.
Além de ser um órgão vital, o coração ganhou ainda mais relevância por ser considerado um repositório do mais sublime dos nossos sentimentos: o amor. Tornou-se um baú que guarda um tesouro. Amor e coração se fundem e são cantados em prosa e verso, em todas as línguas, desde que o mundo é mundo. Parece que há unanimidade nesse sentido – mas não há. Alguns “experts” resolveram destronar o coração e abriram fogo contra o coitado, iniciando uma verdadeira guerra – felizmente não cruenta. Alegaram que o coração não passa de uma simples bomba encarregada de fazer a irrigação do corpo humano. É uma bomba, e bomba não tem dignidade para ocupar trono. Além disso, não interage com o seu dono. Quando resolve parar, não há o que o faça mudar de ideia – embora saiba que a sua atitude provocará muita tristeza e lágrimas. Ele é impiedoso – como se o coração não tivesse coração.
Aí surgiu um problema: se o coração fosse destronado, quem ocuparia o seu lugar? Alguém sugeriu os pulmões, mas a ideia foi logo descartada. Seria apenas a substituição de uma bomba de líquido por uma bomba de ar. Outro sugeriu o fígado, mas a ideia não prosperou. Um laboratório ocupando o trono jamais obteria a confiança dos seus súditos. Que o diga aquele aluno que, durante uma experiência de química no laboratório da escola mais famosa de Jaú, viu uma quantidade exagerada de soda cáustica ser atirada numa vasilha de água, entrar em combustão, transformar-se numa bola de fogo, subir pelos ares e pousar na cabeça do jovem, tostando-lhe as preciosas madeixas.
Voltando ao trono, surgiu mais uma ideia: ele poderia ser ocupado pelo intestino, um órgão mais acessível, que às vezes parece interagir com seu dono. Quem, na hora do sufoco, nunca lhe fez um pedido, ou melhor, uma súplica: “Aguenta mais um pouquinho que já estamos chegando em casa”? Quase sempre o pedido é atendido. Mas atender a um apelo é uma coisa, ocupar um trono é outra bem diferente. Traria problemas em todos os sentidos. Na música, por exemplo, seria um transtorno. Ao invés de anunciar “Meu coração tolo”, o locutor diria “Meu intestino tolo”... intestino nessas condições não merece confiança! E que tal Orlando Silva cantando: “Meu intestino/ bate feliz/ quando te vê…” Como o jogador de futebol desenharia o intestino com as mãos ao marcar um belo gol e dedicá-lo à sua amada? Nas cartas de amor seria assim: “Eu te dou meu intestino” ou “Do fundo do meu intestino”... E aquele locutor que hoje se despede romanticamente com “um beijo no seu coração”, daria um beijo no intestino do ouvinte? Até o cupido poderia provocar uma grande confusão: já pensou no estrago que uma flecha no intestino poderia causar?
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