Gabriela e Maria Eugenia falam sobre o novo Serviço de Acolhimento Familiar para Crianças e Adolescentes implantado pela LAV

Gabriela e Maria Eugenia falam sobre o novo Serviço de Acolhimento Familiar para Crianças e Adolescentes implantado pela LAV

Nome completo: Gabriela Prado Rodrigues

Idade: 37 anos

Naturalidade: São Paulo - SP

Formação acadêmica: Terapia Ocupacional

Local de trabalho: Lar Amor e Vida de Bariri (LAV)

Função: Coordenadora

Há quanto tempo: 2 anos e 7 meses

 

Nome completo: Maria Eugenia Brocco Sant’ Ana

Idade: 30 anos

Naturalidade: Bariri -SP

Formação acadêmica: Psicologia

Local de trabalho: Lar Amor e Vida de Bariri (LAV)

Função: Psicóloga

Há quanto tempo: 2 anos

 

Noticiantes: O Lar Amor e Vida (LAV) está recebendo um repasse maior do Poder Público. Como foi esse processo para obter judicialmente o aumento mensal do recurso e como esse valor está sendo empregado pela entidade?

Gabriela e Maria Eugenia: A Prefeitura de Bariri vinha repassando ao Saica (Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes) um valor insuficiente para a manutenção do serviço, consequentemente contribuindo para a precarização do mesmo e, através de vários esforços na tentativa de sanar o problema, foi articulado, em conjunto com o MP (que instaurou inquérito civil) e Poder Executivo, a possibilidade de convênios com outros municípios, com o objetivo de equilibrar as finanças do acolhimento, otimizar a manutenção e funcionamento do serviço e garantir a Política Pública, enquanto Serviço de Proteção Social de Alta Complexidade. 
Sendo assim, o Saica efetivou convênio com outros municípios como Boraceia, Arealva e Itápolis, através de Termos de Colaboração, pactuando vagas de acolhimento institucional com valores per capitas apropriados e condizentes com a realidade. Ficando estabelecido da seguinte forma: 11 vagas para Bariri (após estudo da média de vagas utilizadas nos últimos 3 anos); 4 para Arealva; 3 para Itápolis; e 2 para Boracéia – levando em consideração a capacidade máxima de 20 usuários, preconizado nas Orientações Técnicas dos Serviços de Acolhimento. Ainda assim, apesar da redução do número de vagas para o município de Bariri, o valor per capita repassado se mantinha insuficiente. 
Através de inspeções de rotina no acolhimento realizadas pelo Ministério Público, o Promotor constatou o fato de que o Saica vinha recebendo, da Prefeitura Municipal de Bariri, um valor per capita discrepante com relação ao valor pago pelos outros municípios parceiros (Boracéia, Arealva e Itápolis). Além do valor deficitário, em 2024 a prefeitura reduziu o fornecimento do PAM (Programa Alimentar Municipal), seguindo o convênio em que o repasse seria de acordo com o número de crianças de Bariri. 
Este fato ocorreu sem uma comunicação prévia, provocando a carência de alimentos. Posteriormente, com o repasse adequado da Prefeitura, o fornecimento do PAM foi definitivamente interrompido. Com o repasse atualizado, foi possível a ampliação da equipe de acordo com as orientações da NOBRH-SUAS que irá repercutir diretamente na qualidade da oferta do serviço às crianças e adolescentes.

 

Noticiantes: Outra novidade da LAV é o SFA (Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora). Como funciona esse serviço e quando começará a ser empregado em Bariri?

Gabriela e Maria Eugenia: O serviço está em fase de consolidação no município, tendo sua primeira palestra de apresentação no dia 03 de agosto, às 9h, a qual acontecerá no endereço Av. Luís Balbino de Queiroz, nº 485 – Nova Bariri (antigo SESI).
O acolhimento é uma medida de proteção, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, para crianças e adolescentes que precisam ser afastados temporariamente de sua família de origem. Esta medida é excepcional e provisória, e não deve ultrapassar 18 meses. Existem três modalidades de acolhimento por medida de proteção, e o acolhimento em família acolhedora é uma dessas.
O Acolhimento Familiar foi elevado ao grau PREFERENCIAL no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com as alterações incluídas pela Lei 12.010 de 2009, mais conhecida como Lei Nacional de Adoção. Segundo o Artigo 34, § 1º, “a inclusão da criança ou adolescente em programas de Acolhimento Familiar terá preferência a seu acolhimento institucional, observado, em qualquer caso, o caráter temporário e excepcional da medida, nos termos da Lei.”
Diferente dos abrigos institucionais (em que há educadores contratados) trata-se de uma modalidade em que a criança é cuidada temporariamente por outra família: a família acolhedora. Em Bariri este serviço atenderá às crianças da primeira infância, dos 0 aos 6 anos. Essas famílias farão parte do Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora (SFA) e, durante o período de acolhimento, assumem os cuidados e a proteção da criança.

 

Noticiantes: Qual é o protocolo para famílias que têm interesse em acolher provisoriamente uma criança ou adolescente? O que as famílias acolhedoras em potencial devem fazer? A família passará por algum tipo de treinamento?

Gabriela e Maria Eugenia: A pessoa que pretende ser família acolhedora não pode ter a intenção de ADOÇÃO, visto que este serviço tem começo, meio e fim. É necessário entender que acolhimento familiar e adoção são situações distintas, inclusive no seu tempo de duração: o acolhimento é temporário; a adoção é definitiva. A família acolhedora vinculada ao serviço terá a guarda provisória da criança acolhida.
As famílias precisam ter espírito de solidariedade, como espírito cidadão e pode ser em qualquer formato, como uma pessoa aposentada, que não teve filhos, que já criou filhos ou que está criando filhos. São pessoas que se apresentam voluntariamente na LAV e serão preparadas e habilitadas para exercer a função.
As famílias acolhedoras são selecionadas, preparadas e acompanhadas por uma equipe de profissionais para receber crianças em situação de vulnerabilidade, até que estas possam retornar para suas famílias de origem ou, quando isso não é possível, serem encaminhadas para adoção. As etapas de preparação consistem inicialmente em palestras, visitas domiciliares, entrevistas, questionários e cursos de qualificação.

 

 Noticiantes: Durante o tempo de acolhimento provisório, a criança ou adolescente continua sendo monitorada? Como isso vai acontecer?

Gabriela e Maria Eugenia: Sim, durante o acolhimento terá um acompanhamento da criança, família acolhedora e sua família de origem. Este acompanhamento será realizado pela equipe da LAV e do Sistema de Garantia de Direitos do município, através de atendimentos individuais e familiares, visitas domiciliares e articulações com as políticas públicas necessárias.

 

Noticiantes: Quais são os benefícios do acolhimento provisório que diferem este serviço do acolhimento dos atendidos na LAV?

Gabriela e Maria Eugenia: Ao nosso ver, o serviço de famílias acolhedoras não vem substituir o acolhimento institucional e acabar com o abrigo, muito menos desmerecer os avanços no acolhimento institucional que tivemos nas últimas décadas. A questão é que o acolhimento de crianças e adolescentes no Brasil sempre esteve pautado na lógica da institucionalização e segregação, e ainda estamos longe de inverter isso. Ainda precisamos investir muito em medidas de prevenção do acolhimento, em metodologias para o retorno familiar, em programas de guarda subsidiada que possibilitam o cuidado pela família extensa da criança, em trabalho para a autonomia dos jovens, e em serviços de família acolhedora. Ou seja, promover e fortalecer serviços, programas e estratégias que garantam a convivência familiar e comunitária das crianças e adolescentes.
O acolhimento institucional em si não é necessariamente prejudicial ao desenvolvimento de bebês, crianças e adolescentes, desde que estejam presentes as condições necessárias para seu bom desenvolvimento. No entanto, apesar dos avanços na área do acolhimento, dos esforços para investir em recursos humanos e estrutura física, alguns aspectos intrínsecos ao cuidado institucional ainda não sofreram as transformações necessárias e podem impactar negativamente o desenvolvimento da criança e adolescente. A continuidade dos cuidados e a consistência das relações emocionais são condições básicas para um bom desenvolvimento, mas difíceis de serem sustentadas no contexto institucional, assim como a possibilidade de vivências familiar e comunitária, e a possibilidade de participação efetiva na rotina institucional.
Na prática, a rotatividade constante de funcionários e o fato de haver múltiplas demandas no cotidiano da instituição comprometem a manutenção de um ambiente estável e o estabelecimento de vínculos duradouros.
A família acolhedora tem se revelado no Brasil e no mundo um serviço que proporciona de fato um cuidado individualizado e propiciando vivências familiar e comunitária seguras. E os benefícios são muitos: o estabelecimento de vínculos estáveis, um ambiente onde as crianças possam ser olhados em sua individualidade, a possibilidade de um trabalho para a autonomia que podem participar de uma vida familiar e doméstica, transições mais cuidadas para o retorno familiar e adoção, e um maior investimento na família de origem. Segundo o Censo SUAS, as crianças e adolescentes ficam menos tempo acolhidos em serviços de família acolhedora, em comparação com o acolhimento institucional.


 
Noticiantes: Existem barreiras para execução dessa nova política pública?

Gabriela e Maria Eugenia: A primeira barreira observada é que muitas pessoas têm dificuldade em entrar nesse programa Família Acolhedora porque acabam se apegando muito às crianças. Como lidar com isso? O apego é necessário e ocorre dentro da família acolhedora. A criança já foi separada dos pais e isso não é possível mudar. Então, devemos lidar com isso ofertando o melhor cuidado. Vivência de afeto, de amor, de cuidado, de carinho, são coisas que permanecem e nunca vão ser um malefício para seu desenvolvimento. 
O apego é constitutivo do sujeito e é importante, é possível que haja ciclo do cuidado, como uma despedida. Despedidas podem gerar momentos em que você chora e sente falta, mas sentir o abandono e a negligência deixa sequelas. É o que separa e compromete o desenvolvimento. E o adulto teme o que a criança mais necessita, ou seja, o apego, no entanto esse afeto estará proporcionando a ela algo para o resto de sua vida. A criança a quem esse apego é negado vai buscá-lo para sempre.
“A ideia de uma separação é tão dolorida que não vale a pena o encontro?” E é claro que precisamos de um acolhimento familiar bem feito. É uma política pública que necessita de um olhar singular para cada família, cada caso e cada situação. O que não difere do acolhimento institucional. Mas nas famílias acolhedoras isso se torna mais óbvio, mais visível e muitas vezes mais possível de ser realizado.
A segunda barreira é a saída da zona de conforto pelo Sistema de Garantia de Direitos (SGD) e é compreensível o medo e a insegurança do desconhecido, ou seja, de retirar uma criança de um abrigo consolidado para inseri-lo em uma família “desconhecida”. Estes receios são pertinentes, porque é preciso ter um processo muito cuidadoso de formar, recrutar, selecionar e acompanhar as famílias. 

 

Noticiantes: Atualmente, qual é a maior dificuldade em manter o Lar Amor e Vida?

Gabriela e Maria Eugenia: Atualmente, a maior dificuldade enfrentada pela LAV trata-se da ausência de compreensão pela sociedade e serviços de Bariri em acolher crianças e adolescentes dos municípios parceiros, sendo que em alguns lugares e serviços fica evidenciada a resistência em atender porque não são cidadãos baririenses. Trata-se de crianças e adolescentes que independente das suas procedências são seres em pleno desenvolvimento e compõem a sociedade e que já tiveram vários direitos violados e foram negligenciados. O objetivo é universalizar e integrar as Políticas Públicas, ampliar o acesso aos serviços da Alta Complexidade que muitas vezes os municípios de pequeno porte não comportam. 
As necessidades da LAV são voltadas para o custeio de despesas de manutenção do espaço físico, que são frequentes, como reparos gerais em pinturas, elétrica, hidráulica, eletrodomésticos e mobiliários, além do fato de que o prédio tem 20 anos e nunca foi possível realizar manutenção preventiva, apenas emergenciais. Para tanto, seria importante uma mobilização da comunidade pensando em serviços voluntários como carpintaria, vidraceiro, pintor, jardineiro, eletricista, dentre outros.
As despesas relacionadas a produtos de farmácia e fraldas não podem ser previstos e contemplados nos repasses de parcerias, portanto devem ser pagos com recursos próprios quando a LAV conta com estes, caso contrário é sempre possível contar com a parceria da sociedade civil que frequentemente se sensibiliza e contribui com as campanhas promovidas.
A LAV também necessita angariar recursos para a aquisição de um parquinho a ser instalado no quintal para que as crianças possam brincar, socializar e interagir.
Um meio importante de angariar recursos próprios é através do lançamento de cupons fiscais, sendo assim, é possível a comunidade colaborar lançando os cupons no sistema em prol da entidade ou ainda angariando cupons através dos lojistas do município.
A LAV conta com vários membros da sociedade civil que contribuem com a entidade através de doações em dinheiro e após parceria firmada com o Saemba é possível realizar essa contribuição através do débito em conta de água. Uma pequena contribuição do cidadão para a LAV pode significar a resolução de várias necessidades. 
SEJA UM CONTRIBUINTE!

 

Noticiantes: Como o Lar Amor e Vida trabalha a sociedade baririense em geral para quebrar a ideia errônea de que a entidade é uma espécie de “orfanato”?

Gabriela e Maria Eugenia: São realizados trabalhos de conscientização e propagação de informações através das mídias sempre que possível, além dos contatos informais no cotidiano, desmistificando e esclarecendo os objetivos reais do acolhimento institucional.

 

Noticiantes: O Noticiantes agradece sua participação e deixa o espaço aberto para suas considerações finais.

Gabriela e Maria Eugenia: O Acolhimento Institucional, apesar de limitar seu atendimento ao público máximo de 20 (vinte) crianças e adolescentes, trata-se de um serviço categorizado pelo SUAS (Sistema Único de Assistência Social) como um SERVIÇO DE PROTEÇÃO SOCIAL DE ALTA COMPLEXIDADE e leva esse nome com uma razão relevante, pois atende frequentemente crianças e adolescentes que vivenciaram desde muito cedo situações de violações de direitos e negligências de vários tipos e precisam do olhar e atenção da sociedade de forma geral. 
Na condição de crianças e adolescentes eles já significam PRIORIDADE e isso se potencializa por estarem sob proteção social de alta complexidade, principalmente porque o período de acolhimento deve ser o mais breve possível e trata-se do período em que deve ocorrer todos os investimentos possíveis com as crianças e famílias com vistas para a reintegração familiar.
Antes de acolher as crianças o projeto precisa ser acolhido pela sociedade, pela rede pois somos responsáveis pela geração do amanhã. Investir nas crianças é poder mudar o futuro. Essa é a missão da nossa instituição. Com esse novo projeto, buscamos não naturalizar a institucionalização que muitas vezes, após passar pelo acolhimento institucional, acabam se habituando com as barreiras que o modelo trás naturalizando e culminando numa internação em Fundação Casa na adolescência e no sistema prisional na vida adulta.