Presidente da Câmara de Bariri aciona Tribunal de Contas após indícios de fraude contábil nos balancetes do Saemba; suposta camuflagem nos números teria ocorrido no apagar das luzes da gestão Eder Cassiola
"Minha suspeita teve início quando, na última audiência pública de prestação de contas, da qual eu participei, constava, aqui na prefeitura, que o Saemba tinha fechado com dinheiro em caixa no último ano. Eu estranhei, porque como fecha com dinheiro em caixa se há uma dívida milionária da CPFL? Depois disso, fiz o requerimento e procurei os técnicos da área e o superintendente, que ignorava o fato. Em virtude disso, achei por bem fazer a representação ao TCE" - Airton Pegoraro.
Por Thaisa Moraes
Serviço de Água e Esgoto do Município de Bariri (Saemba) está prestes a entrar na mira do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE). Nesta quarta-feira (27), o presidente da câmara, Airton Pegoraro, protocolou representação após indícios de supostas irregularidades nos balancetes da autarquia referentes aos meses de outubro, novembro e dezembro de 2023 e janeiro de 2024 – ou seja, no apagar das luzes da gestão do ex-superintendente, Eder Cassiola, que comandou a autarquia de janeiro de 2021 a dezembro de 2023.
“O balancete de receita e despesa da Autarquia Saemba, enviado a esta Câmara Municipal, não consta com a dívida com a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) no valor de R$ 1.593.913,29 (um milhão, quinhentos e noventa e três mil, novecentos e treze reais e vinte e nove centavos), de sorte que o balancete não retrata, com fidedignidade, a realidade contábil da Autarquia. Além disso, a estimativa de gasto do ano todo com energia tenha sido empenhada no valor de R$ 1.400.000,00 (um milhão e quatrocentos mil reais), não houve liquidação e, mesmo assim, não houve a inscrição em restos a pagar. Assim, foi feito o empenho de parte da dívida no orçamento desse ano, circunstância o princípio da competência. Nesse sentido, requeiro, respeitosamente, que tal conduta seja mais bem analisada por este Egrégio Tribunal de Contas”, diz a representação assinada por Pegoraro.
Na última sessão ordinária, o Presidente da Câmara já havia tornado pública sua desconfiança em relação ao balancete do Saemba. Na oportunidade, Airton Pegoraro também disse que irá notificar a autarquia por conta de um requerimento de sua autoria, não respondido dentro do prazo regimental, que questionava justamente sobre dívida do Saemba com a Companhia Paulista de Força e Luz.
“Se o Saemba estivesse respondido meu requerimento sobre a CPFL, eu queria saber a situação financeira, porque foi aumentado o valor da água. Para mim, o balancete foi camuflado, foi maquiado. Se isso aconteceu, é crime! Chegaram aqui na câmara os balancetes dos meses anteriores, mas, se ficou para trás uma conta enorme com a CPFL, como está fechando com superávit?”, questionou Airton Pegoraro.
À nossa reportagem, o Presidente da Câmara confirmou que, antes de realizar a representação ao Tribunal de Contas, o balancete passou por auditoria do Procurador Jurídico do Legislativo, dr. Pedro Henrique Carinhato, que ratificou o argumento de Pegoraro e redigiu o texto.
Ainda de acordo com Airton Pegoraro, o atual superintendente do Saemba, Oscar Naufal, bem como outros membros do alto escalão da autarquia, foram avisados sobre a representação e, inclusive, teriam estranhado os números do balancete enviado à câmara, assim como o presidente da câmara.
A dívida milionária do Saemba junto à CPFL se tornou pública na sessão ordinária de 21 de novembro de 2023, através de um ofício da concessionária enviado ao Legislativo.
O documento assinado por Pedro Cesar Andreo de Aro, Gerente de Serviços Comerciais da CPFL afirma que “o Saemba está inadimplente em 126 contas compreendidas no período de abril/2023 a outubro/2023, com um débito acumulado, sem encargos moratórios, de R$ 1.593.913,29. Por óbvio, mensalmente, o valor se torna ainda maior, onerando indevidamente os cofres públicos em razão da incidência diária de juros e correção monetária, além da multa de mora prevista na legislação, sem prejuízo da exposição de maior onerosidade advinda de outros meios de cobrança”.
Segundo a CPFL, foram feitas inúmeras tentativas de comunicação para negociação da dívida junto à autarquia comandada à época pelo superintendente Eder Cassiola, mas o Saemba não retornou os contatos. Com isso, o valor da dívida aumentava a cada dia.
“Mesmo a CPFL tentando, por diversas vezes, uma solução amigável, propondo o parcelamento da dívida e concessão de outros benefícios, o Saemba mostra-se desinteressado na quitação da dívida, acumulando a cada mês um débito a mais, sem justificativa plausível, não demonstrando preocupação em honrar a obrigação contratual de efetuar a contraprestação pecuniária pelo serviço usufruído. É crucial mencionar que a postura do Saemba, além de onerar os cofres públicos, prejudica de modo direto, todos os usuários de energia elétrica localizados na área de concessão da CPFL, haja vista que parte do prejuízo gerado pelo Saemba compõe a metodologia do cálculo da revisão tarifária, encarecendo o valor da energia paga pelos demais usuários. Ademais, impacta também o investimento na rede pública, com sua ampliação e incremento”, sustenta a concessionária paulista.
No ofício, a CPFL ameaçou a interrupção do serviço prestado em razão da inadimplência, citando a Lei 9.427/96 e a Resolução Normativa n.21000, da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Além da Câmara Municipal de Bariri, o ofício foi encaminhado ao Ministério Público, Poder Executivo Municipal e ao próprio Saemba.
Os valores das 126 faturas em aberto variam entre R$ 50.805,88 (valor mais alto) e R$ 43,51 (valor mais baixo). A inadimplência começou em abril de 2023.
Colecionador de polêmicas, Eder Cassiola deixou autarquia afundada em dívidas
Coincidentemente, após a dívida milionária da autarquia junto a CPFL se tornar pública, o então superintendente, Eder Cassiola, pediu exoneração do cargo, após três anos no comando da autarquia.
Ele anunciou que estaria deixando o comando do Saemba durante coletiva de imprensa realizada em 29 de novembro de 2023. Ao lado do prefeito Fernando Foloni, Edinho justificou a saída alegando “questões familiares”.
O último ato de Edinho na superintendência doeu no bolso do consumidor baririense: ele solicitou aumento de 31,3% no valor da tarifa de água e esgoto. Fernando Foloni atendeu prontamente o pedido e decretou o aumento da água no Diário Oficial do Município. A partir de janeiro de 2024, a taxa mínima foi alterada de R$ 20,64 para R$ 27,10.
Cargo de confiança da gestão Abelardo-Foloni, a gestão de Edinho Cassiola foi recheada de polêmicas – como a CEI que apontou mais de meio milhão em compras irregulares praticadas pelo Saemba, cujo relatório final, de autoria do vereador Edcarlos Santos, deu origem a um inquérito aberto pelo Ministério Público.
Fora da autarquia, o nome de Edinho também foi relacionado a outros escândalos. Em um áudio vazado, Vagner Mateus Ferreira, ex-vereador e ex-prefeito interino de Bariri, preso desde fevereiro de 2023, revela um suposto esquema de negociação envolvendo o contrato de fornecimento de merenda escolar do município, com participação de Eder Cassiola.
Vaguinho afirma que "Edinho" seria o responsável pela intermediação de todos os contratos firmados pela municipalidade, inclusive tendo sido designado por Abelardinho para a negociação relacionada ao fornecimento das merendas escolares – contrato no qual os cofres públicos desembolsam o valor de R$ 6 milhões.
O ex-vereador alega que a negociata teria ocorrido no posto "Frango Assado", próximo à saída de São Paulo. Segundo o relato, deveriam estar presentes o Prefeito Abelardo, Edinho e Vaguinho. No entanto, de última hora, o Prefeito Municipal não teria aparecido, aparentemente delegando à Edinho a tarefa de fechar o acordo.
Como comemoração ao resultado da negociação, o proprietário da empresa contratada também teria entregue quantias em dinheiro para a realização da Festa do Peão de 2022.
Fraude contábil
São consideradas fraudes contábeis todas as estratégias de manipular intencionalmente a contabilidade de uma empresa. Seja para inflar os ganhos para investidores, omitir informações para reduzir a carga tributária ou beneficiar terceiros. Além disso, esse tipo de prática é considerado crime.
A Lei nº. 7.492, de 16 de junho de 1986, que “Define os crimes contra o sistema financeiro nacional, e dá outras providências”, alega, em seu artigo 6º que o crime de “induzir ou manter em erro, sócio, investidor ou repartição pública competente, relativamente a operação ou situação financeira, sonegando-lhe informação ou prestando-a falsamente” é punível com pena reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
Já o artigo 297 do Decreto Lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940, diz que “falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro”, é crime, cuja pena de reclusão varia de dois a seis anos, e multa. O parágrafo primeiro do mesmo artigo chama a atenção para cometimento deste crime por servidores públicos: “Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a pena de sexta parte”.
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