Vereador escolhido como relator da Comissão Processante que pode cassar Prefeito de Bariri já foi ameaçado de agressão por criticar governo; “Abelardinho só não está preso por que tem foro privilegiado”, diz Edcarlos
Por unanimidade, a Câmara Municipal de Bariri aprovou a abertura da Comissão Processante (CP) que pode resultar na cassação do mandato do prefeito Abelardo Maurício Martins Simões Filho (MDB). A Sessão Extraordinária na qual os vereadores deliberaram sobre a denúncia que pediu a instauração da CP, parou a sociedade baririense na noite de segunda-feira (11). Quem não acompanhou in loco, no plenário Legislativo, assistiu tudo pelas redes sociais: apenas na transmissão do Facebook do Jornal Noticiantes contou com uma audiência de 600 pessoas, simultaneamente.
O público que compareceu presencialmente na Câmara Municipal, cerca de 40 pessoas além de imprensa, chamou a atenção por um detalhe: a ausência de apoiadores políticos, diretores, cargos de confiança e familiares de Abelardinho. Diferentemente do que ocorreu em março, na primeira tentativa de impeachment do prefeito, desta vez, não houve um apoiador sequer.
A denúncia foi lida na íntegra pela segunda secretária da mesa diretora, vereadora Myrella Soares (União Brasil). O texto assinado por Gilson de Souza Carvalho se baseou totalmente na representação do Ministério Público do Estado de São Paulo, através do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO).
“O denunciado praticou infração político-administrativa grave, sujeita à apuração e eventual sanção pela Câmara Municipal de Vereadores. (...). O Ministério Público chegou a tais conclusões após realizar apreensões de documentos e equipamentos eletrônicos de investigados, análises, depoimentos e, com o interrogatório de um dos envolvidos nas práticas criminosas, ficou evidenciado o envolvimento do prefeito em crimes de corrupção passiva, concussão, fraude licitatória, coação no curso do processo e, ainda, mandante do atentado contra empresário do município”.
Na sequência, a denúncia relembra que o depoimento de Paulo Ricardo Barboza, proprietário da Latina Ambiental, revelou que Abelardinho recebeu uma série de valores mensais como propina, em troca de mantar ativa a licitação de limpeza pública entre Prefeitura de Bariri e Latina. “As condutas imputadas pelo órgão ministerial ao prefeito configuram atos incompatíveis com a dignidade e o decoro do cargo, visto que o chefe do Poder Executivo feriu os padrões éticos e morais, necessários ao prestígio do mandato”.
O que disseram os vereadores?
Edcarlos Santos, primeiro a usar a palavra para justificar seu voto, fez um discurso enfático, relembrando os primórdios da jornada Política de Abelardo Simões, até os últimos acontecimentos e escândalos marcados protagonizados por sua gestão.
“O Abelardinho foi um candidato criado para atender os interesses de algumas pessoas poderosas. O Ministério Público foi quem desmascarou toda essa farsa, quem revelou os podres, quem provou para todos nós, que o filho do delegado, o bom moço, na verdade, é uma pessoa corrupta e perigosa. Vocês sabem por que o Abelardinho não está preso? Vocês sabem por que ele não está fazendo companhia agora na cadeia junto com o dono da Latina e o capitão da polícia, que cometeu atentado contra o empresário Fábio Yang? Ele não está preso porque a Justiça daqui não pode prender, ele tem foro privilegiado. O Ministério Público está dizendo que o prefeito cometeu todos estes crimes, mas não pode prender, porque ele está protegido pelo foro privilegiado. Quantas licitações fraudulentas, a câmara vai esperar? Quantas falcatruas vamos assistir ele cometer? Quantas maracutaias mais vamos ver acontecer?”.
Leandro Gonzalez, apostou numa abordagem juridicamente técnica. O vereador contestou a nota oficial divulgada por Abelardinho na última semana, na qual o prefeito classificou os apontamentos do GAECO como “uma narrativa fantasiosa”. Leandro ressaltou o rol de provas citadas pela promotoria no processo representado à Procuradoria-Geral de Justiça.
“A denúncia está em consonância com os dispositivos legais. Não é uma denúncia vaga; está fundamentada nas leis. O princípio da moralidade foi muito pregado pelo prefeito Abelardo, mas, infelizmente, foi pura e simplesmente ignorada. O prefeito não teve por meta, em nenhum momento, o atendimento do interesse público, mas preocupou-se apenas em entender interesse próprio e de seus comparsas. Tem pessoas que ainda duvidam das provas citadas no processo. Senhor prefeito, não se trata se uma simples narrativa forçosa, ou acusação frágil e especulativa como o senhor quer justificar. Se antes a gente ficava questionando quem era o Bela, hoje, temos a resposta concreta. O processo promovido pelo MP aponta que o Bela é o codinome dado ao prefeito Abelardo, não restam mais dúvidas sobre isso. Se todos os diversos crimes citados no processo não for caso de quebra de decoro, o que será?”.
Myrella Soares enfatizou que os vereadores, por inúmeras ocasiões, sinalizaram atitudes do prefeito e deram sugestões, que não foram acatadas pelo chefe do Executivo.
“O acolhimento dessa denúncia é a ponta do iceberg de tudo aquilo que vem sendo acumulado, por diversos anos, deste mandato desastroso. A cada semana que passa é uma notícia diferente: crime de corrupção, fraude em licitação, tudo que é feito é feito fora da curva. Não há interesse em resolver os problemas da sociedade. Vemos que, na verdade, tínhamos um chefe do Executivo que tinha interesse em manter seu grupo, se fortalecer politicamente, fazer sua cama junto de seus pares, e, para isso, usando do bem comum, utilizando da máquina púbica para benefício próprio. Esses crimes apresentados são muito graves. O MP está investigando e esta Casa de Leis tem por obrigação acolher essa denúncia. O mínimo que podemos fazer é dar uma resposta para a sociedade, para que futuros candidatos entendam o recado de que Bariri não é uma terra sem lei, onde as pessoas fazem o que querem. A monarquia já acabou há muitos anos. Infelizmente algumas pessoas não acordaram para essa realidade”.
Airton Pegoraro, explicou que, neste caso específico, ele manifestou voto pela gravidade da situação. Em sessões triviais, o presidente da câmara só vota em caso de empate.
“Nesta sessão, sou obrigado a votar. Diante da gravidade da acusação do MP, eu como presidente, não poderia me omitir e esperar a próxima sessão ordinária. A função primordial do vereador é fiscalizar o Executivo e defender o povo. Tomando ciência desse fato, conversei com os vereadores e, quando deu entrada dessa denúncia, achei por bem convocar uma Extraordinária. O simples fato dessa Casa ter hoje um bom público, é sinal que a maioria das pessoas estão dando relevância a esse fato – e tem que dar mesmo! A cidade é nossa, a população tem que participar e cobrar dos políticos, que eles tenham um senso de dever público. A pessoa que entra na política tem que melhorar a vida da população (não apenas do seu povo)”.
Por fim, Evandro Folieni e Ricardo Prearo, que assim como Luis Renato Proti e Júlio Cesar Devides votaram contra o acolhimento do primeiro pedido de cassação de Abelardinho protocolado em maio, justificaram a mudança de posicionamento afirmando que, desta vez, o nome do prefeito está citado no processo. Folieni também desmentiu rumores de que ele teria recebido R$ 100 mil para votar a favor do prefeito. Já Prearo, disse que se fosse “levar pelo lado pessoal, seria contrário” à abertura da CP por ter uma relação próxima Abelardinho e seus familiares.
Outro fato que chamou a atenção foi a ausência do vereador Benedito Antonio Franchini, que também faltou na sessão que votou o primeiro medido de impeachment contra Abelardo. Em nota enviada à nossa reportagem, Ditinho se justificou: “Essa sessão é de caráter extraordinário e já havia programado férias da prefeitura no começo do ano. Estaria presente caso não estivesse em viagem”. A ausência do vereador recebeu uma chuva de críticas nas redes sociais.
Formação da CP e ameaça do prefeito ao relator
Os vereadores sorteados para compor a comissão foram: Júlio César Devides (Cidadania), Edcarlos Santos (PSDB) e Luis Renato Proti “Escadinha” (MDB). Após breve deliberação, os três decidiram a seguinte formação: Julinho (presidente); Edcarlos (Relator); Escadinha (membro).
A relatoria da comissão ter ficado a cargo de Edcarlos Santos chama a atenção para o fato de que o nobre é citado no processo do Ministério Público como vítima. Segundo revelaram mensagens trocadas entre Vagner Mateus Ferreira e Gabriel Ferrari, réus da Operação Prenunciados, Abelardinho teria pedido que Vaguinho agredisse Edcarlos em represália às fortes críticas e denúncias do vereador contra a gestão.
“Conforme foi possível apurar na investigação que deu causa à ação penal, Abelardo já havia determinado a outros envolvidos com fraudes na Prefeitura Municipal de Bariri que agredissem pessoas que faziam algum tipo de denúncia. Aliás, veja trecho de mensagem onde ele é citado como “Bela” em que foi confidenciado que ele haveria determinado que o vereador Edcarlos fosse agredido”, alegam os promotores Nelson Aparecido Febraio Júnior, Gabriela Silva Gonçalves Salvador e Ana Maria Romano.
A CP iniciará os trabalhos em cinco dias, notificando o denunciado (Abelardo) que terá 10 dias para apresentar a defesa prévia, indicar provas e arrolar testemunhas. Decorrido o prazo da defesa, a Comissão emitirá um parecer em cinco dias, opinando pelo prosseguimento ou arquivamento da denúncia, que será submetido ao Plenário. Se a Comissão opinar pelo prosseguimento, o presidente designará o início da instrução, e determinará os atos, diligências e audiências para o depoimento do denunciado e inquirição das testemunhas.
Concluída a instrução, será aberta vista do processo ao denunciado no prazo de cinco dias, e, após, a Comissão Processante emitirá parecer final, pela procedência ou improcedência da acusação, e solicitará ao Presidente da Câmara a convocação de sessão para julgamento. Para ser afastado definitivamente do cargo serão necessários pelo menos dois terços dos votos.
O processo deverá ser concluído em 90 dias, contados da data em que se efetivar a notificação do acusado. Transcorrido o prazo sem o julgamento, o processo será arquivado, sem prejuízo de nova denúncia ainda que sobre os mesmos fatos.
Chefe de gabinete faz última tentativa frustrada de impedir Comissão Processante; manobra garantiria proteção do foro privilegiado de Abelardinho
Antes do início da sessão, o chefe de Gabinete do prefeito Abelardo Simões, Paulo Egídio Grigolin, encaminhou uma mensagem de texto a todos os vereadores com última manobra de tentar impedir a criação da CP.
Grigolin, que é vereador licenciado, tentou convencer os parlamentares a instaurarem uma Comissão Especial de Inquérito (CEI), ao invés da Comissão Processante.
“Minha missão neste momento é como chefe de gabinete, interlocutor entre Legislativo e Executivo. Se optarem por não receber a denúncia e optarem pela criação de uma CEI imediatamente, na mesma sessão, não haverá votação sobre o tema, porém a vontade dos eleitores será atendida. Conto com o bom senso de vossa excelência na apreciação dessas considerações”, dizia a mensagem.
Caso a CP resulte na cassação de Abelardo, o prefeito perde o foro privilegiado e pode passar a ser representado pelo Judiciário local.
Procuradoria-Geral de Justiça acata pedido do GAECO e enxerga elementos de condutas criminosas do prefeito Abelardo Simões; processo independente será instaurado
Em decisão datada de quarta-feira (13), o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ), através dos procuradores Mário Antonio de Campos Tebet e Lorena Gentil Ciampone, deferiu as investigações “em relação àqueles que não detêm o foro por prerrogativa de função, permanecendo a Procuradoria-Geral de Justiça com a atribuição de aferir eventuais comportamentos criminosos praticados pelo senhor Prefeito”.
Com a decisão, órgão entendeu que existem elementos que colocam o Prefeito Municipal de Bariri, Abelardo Maurício Martins Simões Filho (MDB) como investigado, conforme apurado pelo Ministério Público, através do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO).
Como Abelardo possui o chamado “foro por prerrogativa de função” (uma espécie de foro privilegiado por ocupar a cadeira do Executivo), a investigação ficará a cargo da Procuradoria-Geral de Justiça. Já os outros réus e investigados que não detém foro privilegiado, continuam sendo investigados pelo Judiciário local.
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