A onça pintada

A onça pintada

Uma poderosa onça-pintada foi vista inúmeras vezes na Floresta durante a segunda metade da década de 1940. Era um belo exemplar do terceiro maior felino do mundo – onças perdem apenas para tigres e leões. Segundo os estudiosos, é o único carnívoro que mata sem ter fome: apenas pelo prazer de matar. Todos os demais caçam apenas quando precisam de alimento. 
Mas, essa onça que aparecia na bucólica Floresta (hoje a pujante Boraceia) jamais atacou uma pessoa ou qualquer outro animal. Certamente ela era de paz. Além disso, tinha outra peculiaridade curiosa: não deixava pegadas. “Mas isso era óbvio, não? Afinal, ninguém deixa rastros no asfalto”, questionaria o leitor. Mas que asfalto? Naquele tempo as ruas eram de terra batida, geralmente coberta por uma camada de poeira. E, mesmo assim, a onça não deixava qualquer vestígio. Mas ninguém duvidava da sua existência. E quem tivera o privilégio de vê-la afirmava com muita convicção: ela era linda. A natureza, ou sei lá quem, havia sido generosa ao desenhar aquelas pintas ou manchas. Enfim, ela era unanimidade: todos a consideravam imponente, até mesmo glamourosa - se é que um animal pode ter glamour.
Nem todos os moradores da cidade e dos arredores tiveram o privilégio de ver a onça, que sempre aparecia no mesmo local: o grupo escolar de Floresta. Por incrível coincidência, eram duas as professoras responsáveis pelo seu aparecimento: Alayde Domingues e Abigail Renda. O fenômeno ocorria quando elas escreviam no quadro negro: “Descrição ou composição à vista de uma gravura”. Em seguida, dependuravam na parede um grande painel. E nele estava desenhada e pintada a onça. Mas ela não aparecia sozinha. Estava sempre acompanhada por uma vastíssima anta, pequenos roedores e um casal de macacos, além de duas araras, com suas magníficas e inconfundíveis penas azuis. Tudo na maior harmonia, sem qualquer problema entre presas e predadora. A onça, protagonista de hoje, não morreu de velhice nem foi vítima de algum caçador impiedoso. Foi consumida pelo tempo ou devorada pelas traças de algum depósito de coisas inúteis. Mas, quase oito décadas depois, continua mais viva do que nunca na minha memória.

Nota 1: esta crônica é uma homenagem aos saudosos Carlos Vinício Pereira Brandão e Ademar Sgavioli, meus queridos colegas de classe no grupo escolar de Floresta. 

Nota 2: no próximo dia 7 de setembro vou comemorar 204 anos: 200 da independência do Brasil e 4 de Noticiantes, com a maior alegria do mundo. Tudo começou quando conheci o empresário Fábio Yang e ele me contou que acabara de criar um jornal em Bariri. Comentei que havia “pendurado as chuteiras” após 60 anos colaborando com vários jornais. Fábio me ofereceu um espaço permanente no Noticiantes. Aceitei na hora. A estreia foi na edição de número 17. O tempo passou rapidamente. Hoje publico a 180ª crônica. Muito obrigado, querido amigo Fábio Yang! Também quero externar meus agradecimentos à jornalista Thaisa Moraes e ao pessoal da redação, que me tratam como se eu fosse o Rubem Braga, o Paulo Mendes Campos ou outro “sabiá da crônica”. Não mereço tanto. Finalmente, minha eterna gratidão a você, leitor, que tem me louvado com sua preciosa atenção. Muito obrigado!