Consultando arquivos: “Quando os muros são as únicas possibilidades que se têm de estabelecer relação com as pessoas”
Nesta edição, teremos por base uma fala de Lúcio Packter, criador e sistematizador da Filosofia Clínica: “Nós temos ‘cercas’ nos mais diferentes âmbitos das nossas vidas e a simbologia (cercas) não necessariamente tem a ver sempre com aspectos nocivos e ruins. Muitas dessas ‘cercas’ são as únicas possibilidades, às vezes, que se tem de estabelecer relação de fato com as pessoas”. Levaremos em conta também, uma animação produzida e comentada por ele, para a TV a cabo em meados dos anos 90, com o título: “O Ratinho – Além do livro” – vídeo II, com duração de 98 segundos. Abaixo, os dizeres da animação:
“Às vezes estamos meio sem rumo; toda força que fazemos parece resolver tão pouco; ficamos até sem saber o que fazer. Mas o que aconteceria se alguém averiguasse o que existe no lado bom da vida e fosse além do vazio? Quem sabe descobrisse o lado bom da vida e usasse tudo que aprendeu sendo infeliz, para chegar lá! E aí, descobriria que viver bem é apenas gostar de como se está vivo.” (Packter)
Ainda que possa parecer estranho e paradoxal o título deste artigo, creio que este tema, para muitas pessoas, será de grande valia ao considerarem suas vivências e o quanto delas há no que aqui trataremos.
“Às vezes estamos meio sem rumo; toda força que fazemos parece resolver tão pouco; ficamos até sem saber o que fazer”. Não são poucas às vezes em que alguém diz estar “sem rumo”, preso em algo e é exatamente pelo fato de se sentir assim, “preso”, que descobrirá o quanto é livre. Talvez, se não fosse esta impressão subjetiva de prisão, jamais viesse a refletir, encontrar o “rumo” e vivenciar de fato a liberdade.
Quando uma pessoa se julga estar livre em suas vivências, está mesmo livre? Quando uma pessoa se julga estar presa em suas vivências, está mesmo presa? É possível alguém que se considere livre em suas vivências, estar mais preso do que aquele outro que ele considera preso?
“Mas o que aconteceria se alguém averiguasse o que existe no lado bom da vida e fosse além do vazio?”. Há uma história interessante de uma pessoa que estava com sua passagem aérea comprada para uma poltrona em classe econômica e quando, no embarque, aproximou-se de seu assento, havia lateralmente um casal com um bebê de colo e, como a viagem era um tanto longa, a pessoa se dispôs a sentar-se em outra poltrona – conversando com a equipe de bordo. Porém, não havendo um lugar na classe econômica, orientado pela equipe, foi convidado a ocupar uma poltrona em outra classe, e assim facilitou a viagem para o casal com o bebê. Para sua surpresa, sentou-se exatamente ao lado de alguém que viria a oferecer-lhe uma oportunidade no campo do trabalho, uma oportunidade que sonhava. Dessa forma, exatamente por haver separação, barreira é que foi possível a aproximação. Talvez se não houvesse aquele limite, não teria a oportunidade, pelas próprias condições da viagem e outras coisas mais.
Claro que não se pode deixar de considerar tantas formas de separação em que se não fosse assim, como na história – a condição econômica – não haveria como aproximar. Há muitas outras! No entanto, em algumas realidades que separam, nem querendo, há possibilidade de aproximação. Desse modo, o que é pouco comum para algumas pessoas é pensar que quando determinadas coisas que “separam e prendem”, podem contribuir e, virem a ser de fato uma ajuda e “quem sabe [determinada pessoa] descobrisse o lado bom da vida e usasse tudo que aprendeu sendo infeliz, para chegar lá!”, ou seja, algumas pessoas só convivem pelo fato de um punhado de conceitos que aprisionam, possibilitarem tal permanência na convivência. Para algumas pessoas se não fossem as “prisões, barreiras”, não ficariam um mês em determinado trabalho; se não fossem os muros existenciais, alguns casais não conviveriam por muito tempo, pois, só são próximos por causa de barreiras, de conceitos que os prendem.
Há sérias prisões, pois, ainda que haja quem acredite estar vivendo solto, muitas vezes está preso em alienações diversas e que só não serão apontadas para não tencionar o artigo. São tantas as formas de prisão desde estruturais, até mesmo ideológicas e, por que não dizer, culturais.
Necessariamente, o que prende, separa ou aproxima não é prejudicial, danoso, pois, com isso “descobriria que viver bem é apenas gostar de como se está vivo”. Algumas pessoas vivem bem num estado de alienação, presas e até se sentem seguras. Em muitos casos, talvez seja a única possibilidade de poder manter a vida em suas relações diversas: trabalhos; amizades; conjugalidade; espiritualidade etc.
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