Gratidão eterna
Wilson Quintella faleceu na semana retrasada, aos 95 anos. Teve uma vida bem vivida, entremeada de lances curiosos, que ele não se furtava de contar. Presidiu a construtora Camargo Corrêa com muita competência. Seus 40 anos de relevantes serviços prestados à empreiteira confundem-se com as grandes obras da engenharia nacional, de Brasília a Itaipu, sem falar nas empreitadas no exterior. No princípio dos anos 60, após a inspeção de uma obra ferroviária da Camargo Corrêa na região de Bauru, logo ao iniciar o retorno para casa, de carro, avistou uma mulher e duas meninas caminhando pela estrada de terra, sob um sol causticante. Movido pelo seu espírito de solidariedade, ofereceu-lhes uma carona, que foi prontamente aceita. Tangida pela subserviência que é peculiar à sua raça, a japonesa embarcou no banco traseiro, no que foi acompanhada por uma de suas filhas. A outra acomodou-se no lugar do carona. Extrovertida e tagarela, essa falou sobre vários assuntos, inclusive da alegria por estar andando de automóvel. Lamentou a ausência do pai naquele momento tão feliz. Quando Quintella perguntou-lhe qual a profissão dele, a menina sofreu uma transformação radical. Seus olhos perderam o brilho, a sua voz perdeu a alegria e lágrimas correram pela sua face. Com a voz embargada, ela contou: “Meu pai é carpinteiro, mas está desempregado e nós estamos numa situação muito difícil”.
Embora calejado pela vida, o empresário emocionou-se com as palavras da japonesinha. Quando a mãe pediu que parasse o carro e começou a lhe agradecer pela carona, Quintella entregou-lhe um cartão de visitas e fez uma recomendação: “Diga ao seu marido para ir ao canteiro de obras da Camargo Corrêa falar em meu nome e apresentar este cartão”. O empresário nunca mais soube do carpinteiro japonês que procurava trabalho.
Cerca de 20 anos depois, Quintella estava em Caracas, na Venezuela, quando recebeu um telefonema do então ministro da Fazenda Ernane Galveas (que ocupou o cargo de 1980 a 1985) convidando-o a assessorá-lo durante uma importante missão no longínquo Japão. O ministro queria que o empresário viajasse no mesmo avião, pois assim iriam trocando ideias. Ao chegar ao aeroporto John Kennedy, em Nova Iorque, de onde seguiria para o Japão, Quintella procurou o balcão da companhia aérea e foi atendido por uma japonesa. Ele considerou mera coincidência, já que a empresa era a Japan Airlines. Falando inglês, ele explicou-lhe que precisava de uma poltrona no voo tal, o mesmo em que estaria o ministro brasileiro. A jovem lamentou e afirmou que o avião estava lotado e que havia fila de espera.
Ao pegar o cartão de visitas de Quintella para anotar o seu nome caso houvesse desistência, o rosto da moça transfigurou-se e ela exclamou em alto e bom som, em português: “O senhor vai viajar nesse avião, nem que eu tenha que tirar o piloto!” A moça era a filha do carpinteiro japonês que, décadas atrás, estava procurando emprego. Desta vez, as lágrimas foram de alegria!
Essa história, baseada num texto de Elio Gaspari publicado na “Folha de São Paulo”, mostra que gratidão não tem idade!
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