Ministério Público solicita que Prefeitura de Bariri apresente relatório técnico justificando troca de gestão da Santa Casa; vinte médicos assinam renúncia coletiva após Abelardinho demitir Denise Sgavioli
Por Thaisa Moraes
A população baririense foi pega de surpresa com a mudança repentina no comando da Santa Casa de Misericórdia de Bariri, anunciada na manhã de terça-feira (11). O prefeito, Abelardo Maurício Martins Simões Filho (MDB), demitiu a então gestora do hospital, Denise Sgavioli, que foi substituída pela diretora de Saúde Marina Prearo. O fato caiu como uma bomba e causou uma reação em cadeia: o Conselho Administrativo da Santa Casa, presidido pelos médicos dr. Luis Gonzaga Gerlin e dr. Renato Félix, foi dissolvido e vinte médicos anunciaram renúncia coletiva por não concordarem com a medida do prefeito.
Em entrevista coletiva sediada no saguão de entrada do hospital, dr. Gonzaga afirmou que não mediu esforços para evitar a demissão de Denise, mas o prefeito não voltou atrás.
“Tentei pedir ‘por favor’, implorei para não mexer na nossa interventora. A nossa interventora é a melhor que tem. Ela tem poder de decisão. Para que mexer numa coisa que está boa? Nós estamos dando apoio para a Denise; ela é excepcional. O prefeito faltou com respeito com a gente. Eu fico nervoso, fico tenso porque a gente trabalha com amor aqui. Não queremos dinheiro. Todo o corpo clínico vai pedir demissão porque não é cabível com a decisão do prefeito. Ele pode fazer isso, mas, infelizmente, está errado! Parece que as pessoas têm ciúmes de quem faz alguma coisa boa. Não é possível”, indignou-se o médico.
Recentemente, o conselho expôs a delicada situação financeira da entidade. Em ofício enviado à prefeitura de Bariri, Câmara Municipal e Ministério Público, dr. Gonzaga alertou que a Santa Casa corre o risco de ter os serviços prejudicados por falta de recursos. Diante disso, a promotoria de Justiça de Bariri, através dos promotores Nelson Aparecido Febraio Júnior e Gabriela Silva Gonçalves Salvador, instaurou ação civil pública contra as prefeituras de Bariri, Boraceia e Itaju para aumento de repasse.
Até o momento, a prefeitura de Bariri ainda não havia se manifestado sobre a ação da promotoria. A decisão de demitir Denise Sgavioli foi a primeira medida tomada por Abelardinho após o caso vir à tona.
“Nós tínhamos um déficit de R$ 400 mil, corremos atrás de vários deputados para conseguir dinheiro, mas não deu. Agora, porque o promotor acatou um pedido nosso, o prefeito chega e faz isso? A prefeitura tem a obrigação de dar o dinheiro que o hospital precisa, porque é uma intervenção municipal. Existe um TAC (Termo de Ajuste de Conduta) que diz que o prefeito tem a prioridade e capacidade de intervir se houver alguma situação grave. Nós não temos nada grave ocorrendo. Tudo aqui é prestado conta. Qual é a justificativa do prefeito para mexer na Santa Casa então? Tínhamos que estar trabalhando, não ficar atrás de política. Isso é vergonhoso!”, finalizou dr. Gonzaga.
Dr. Renato Félix, vice-presidente do Conselho Gestor, disse que Abelardinho não se reuniu previamente com o órgão para debater a troca na intervenção e também criticou a decisão repentina do prefeito.
“Sem a presença de Denise Sgavioli, o Conselho de Gestão não permanecerá também, será dissolvido. A gente compreende que, independentemente de quem venha para cá, existe necessidade de ter pessoas que entendam a realidade desse hospital e isso não foi respeitado. Em momento algum o conselho foi consultado pelo prefeito, respeitando as cláusulas do TAC. O Poder Executivo e as autoridades dessa cidade tinham que respeitar a vontade dos funcionários, dos médicos, do Conselho de Gestão e também de todo o corpo clínico, que é manter a Santa Casa unida. As cidades dessa região dependem da Santa Casa e não tem mais espaço para amadorismo. A gente sofreu por um ano nesse hospital para manter vivo, e agora que a coisa começou a engrenar, que as coisas estão andando, vem uma notícia catastrófica como essa. A sensação é de que fomos usados. Isso é péssimo e é esse sentimento que nos faz não aceitar esse tipo de conduta do prefeito”, salientou o médico.
“Saio de cabeça erguida”, diz
Denise Sgavioli
Sob uma chuva de aplausos emitidos por profissionais da saúde e funcionários da Santa Casa, a enfermeira Denise Sgavioli também conversou com a imprensa. Emocionada, Denise agradeceu o apoio recebido e disse que deixa com consciência limpa.
“Recebi a notícia com surpresa e indignação. Mas com muito orgulho, aconteça o que acontecer, a partir daqui eu deixo uma Santa Casa mais suave para ser navegada. O que importa é a minha consciência, o amor, o carinho e esse povo que eu tenho certeza que, de um ano para cá, foi atendido de forma completamente diferente. Eu acho que eu fiz um bom combate. Aos meus amigos que estão aqui dentro, meu respeito. Há um ano eu passo mais tempo aqui do que na minha casa; e quando estou em casa, continuo aqui. Eu fiz o meu melhor”, avaliou Denise.
Denise, dr. Renato e dr. Gonzaga trabalhavam em conjunto e reinventaram o modelo gestor da Santa Casa de Bariri, dando muito mais publicidade e transparência para a prestação de contas, fator que recebeu avaliação positiva inclusive do Ministério Público.
“Durante o tempo que estive aqui, minhas contas estão prestadas devidamente às claras. Nunca peguei, nunca pegarei nada que não seja meu. Eu ponho, mas eu não tiro. Eu dou, mas eu não tiro de ninguém. Estou saindo de cabeça erguida”, finalizou a ex-gestora.
Última tentativa é marcada por
deboche do prefeito
Após a coletiva de imprensa, Denise Sgavioli se dirigiu à Prefeitura Municipal de Bariri no início da tarde de terça-feira (11), onde se reuniu com o prefeito Abelardo. Acompanhada de dr. Gonzaga, dr. Renato, outros médicos e enfermeiros, ao final da reunião, ela confirmou a exoneração.
“Agora fui oficializada do meu desligamento. Acho que ele (prefeito) precisa de um alinhamento melhor entre Saúde Pública e hospital que ele não conseguiu comigo. As substituições são as justificativas disso. Vou embora em paz e deixo a Santa Casa numa situação muito diferente do que encontrei há um ano. Minha gratidão eterna ao dr. Gonzaga, dr. Renato e todos os funcionários. A Santa Casa deixa de ser administrada por mim e pelo conselho a partir de agora. Povo de » Bariri, muito obrigada por tudo!”, encerrou Denise.
Numa última tentativa de mudar o cenário, dr. Gonzaga relatou que levou até Abelardinho o abaixo-assinado com a assinatura dos 20 médicos que foram contrários à exoneração de Denise. No entanto, isso não foi suficiente para fazer o prefeito voltar atrás da decisão.
“Ele perguntou se já estava protocolado o abaixo-assinado. Ou seja, foi um deboche com a gente. Como administrador municipal, ele não poderia ter tido essa atitude. Deveria ter tido pelo menos a preocupação de que a Santa Casa vai perder 20 médicos. Se está bom para ele, tudo bem! Ele que explique para a cidade. Esses 20 médicos que têm todo o respeito da cidade, para ele, não significam nada!”, refletiu dr. Gonzaga.
Denise pede que médicos não abandonem a santa casa
Nas redes sociais, Denise Sgavioli novamente agradeceu o apoio recebido de todos os médicos. No entanto, a ex-gestora pediu que o corpo clínico não renuncie para que os pacientes não sejam prejudicados por falta de atendimento. Confira a publicação na íntegra:
“Queridos amigos médicos. Quero deixar aqui minha enorme admiração e respeito por tudo que vocês fazem e constroem a cada dia dentro da Santa Casa de Bariri. Sinto me honrada com a atitude de vocês. Carrego hoje não mais médicos colegas e sim amigos verdadeiros, pois isso eu senti com a atitude de vocês. Durante esse ano, construímos sonhos de uma saúde melhor para Bariri. Peço de coração que não abandonem a Santa Casa. Tudo que fizemos foi pela população, que precisa da Santa Casa. Fizemos para melhorar. Atendam com amor e carinho a população como sempre fizeram. Voltem ao trabalho que vocês realizam com excelência e assim continuarão a honrar a linda luta iniciada. Amo vocês. Gratidão eterna. A população não pode ser punida jamais.”
Ministério Público cobra justificativa da demissão
Em nota oficial, o Ministério Público afirmou que a promotoria se reuniu com o médico dr. Luis Gonzaga Gerlin na tarde de terça-feira (11), para discutir a troca no comando da intervenção da Santa Casa.
O órgão salientou que não há nenhum tipo de irregularidade nos serviços prestados por Denise Sgavioli durante seu período de gestão. O MP também solicitou que a Prefeitura Municipal de Bariri informe os motivos da exoneração por meio de relatório técnico. Confira a nota na íntegra:
“Em face da relevância e sensibilidade do tema, o Ministério Público informa que nesta data os Promotores de Justiça estiveram reunidos com o Presidente do Conselho Superior da Santa Casa de Bariri, Dr. Luis Gonzaga Gerlin, onde foram tratados temas relacionados aos responsáveis pela intervenção. No momento, ainda estão sendo analisados documentos e relatórios técnicos que tenham autorizado a substituição da interventora a fim de verificar eventual irregularidade ou não. Contudo, foi destacada a absoluta importância da Presidência (Vice) do Conselho Superior e da relevância de sua permanência na entidade para a continuidade dos avanços. Destaque-se que por todo o apurado até o momento, não foram constatadas quaisquer irregularidades praticadas pela então interventora, Senhora Denise. Ao contrário, pelos documentos levantados durante sua permanência na entidade, verificou-se absoluta técnica e adequação do trabalho. Como já dito, as razões da substituição ainda serão informadas com relatório técnico para posterior análise detalhada pelo Ministério Público. Finalmente, cumpre esclarecer a população que não haverá falta de atendimento médico na Santa Casa, que permanecerá funcionamento ininterruptamente com quadros médicos suficientes e eventual paralização será objeto de imediatas providências por esta Promotoria de Justiça para fins de preservar a saúde da população.”
Legado e planos interrompidos
Entre as conquistas da agora ex-gestão da Santa Casa de Misericórdia de Bariri, o maior destaque é a reforma e adequação da maternidade, que foi reinaugurada em 28 de maio de 2022 em uma grande solenidade.
Na oportunidade, Denise, dr. Renato e dr. Gonzaga ressaltaram que o objetivo da obra foi devolver às gestantes, parturientes (em trabalho de parto) e puérperas (pós-nascimento) qualidade no atendimento. Além do espaço totalmente novo, os quartos da nova maternidade possuem banheiro individual e menor número de leitos para maior privacidade das mulheres.
Além da reforma de outras áreas do hospital, os planos da gestão para a Santa Casa incluíam uma importante parceria entre a unidade e a Universidade Nove de Julho (Uninove), que iria disponibilizar médicos e residentes de diversas áreas para atender a população de Bariri, Boraceia e Itaju. Com a demissão de Denise e a dissolução do conselho, o projeto fica apenas no papel.
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