Membros de organização criminosa formada por ex-diretores do alto escalão do governo Abelardo-Foloni, empresário da coleta de lixo, proprietário da Latina Ambiental e capitão da PM viram réus e têm R$ 11 milhões em bens bloqueados pela Justiça
Os promotores Nelson Aparecido Febraio Junior, Gabriela Silva Gonçalves Salvador e Ana Maria Romano, do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (GAECO) ofereceram denúncia contra cinco pessoas envolvidas na organização criminosa instalada na Prefeitura Municipal de Bariri, em meio à gestão do prefeito Abelardo Maurício Martins Simões Filho (MDB).
Os denunciados são: Flávio Muniz Della Coletta (ex-chefe de gabinete de Abelardinho); Giuliano Griso (ex-diretor de Obras e Meio Ambiente); Abílio Giacon Neto (proprietário da Mazo & Giacon, vencedora da licitação de coleta de lixo); Paulo Ricardo Barboza (proprietário da Latina Ambiental, vencedora da licitação de limpeza pública); e Alexandre Gonçalves (Capitão da Polícia Militar executor do atentado contra o empresário Fábio Yang).
Nesta quinta-feira (05), o juiz Mauricio Martines Chiado, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, acatou a denúncia, tornando Flávio, Griso, Abílio, Paulo Ricardo e Alexandre, réus no processo por fraude em licitação e outros crimes. A Justiça ainda determinou o bloqueio de R$ 11 milhões em bens dos acusados para futura recomposição ao patrimônio público. A medida atinge contas bancárias, veículos e imóveis.
Também nesta quinta, Paulo Ricardo Barboza, Alexandre Gonçalves e Abílio Giacon tiveram prisão preventiva decretadas. Eles já estavam detidos em virtude de mandados de prisão temporária anteriores. “Além disso, um dos alvos foi exonerado de cargo público, ficando proibido de exercer qualquer cargo ou função pública, se ausentar da comarca e se comunicar com agente público, devendo ainda permanecer em recolhimento domiciliar noturno”, completou o MP.
A denúncia e seus anexos somam mais de 2,7 mil páginas e detalha o esquema de licitações fraudulentas via recebimento de propina, além de expor a função de cada um dos cinco denunciados na organização criminosa. “A organização entre eles não se limitou a direcionar um certame licitatório, mas teve por finalidade muito mais ampla, criar uma fonte de renda ilícita às custas da população baririense”, concluiu a promotoria.
Acompanhe abaixo a função dos réus na organização:
Flávio Coletta e Giuliano Griso
Flávio foi descrito como “braço direito do chefe do Executivo” (Abelardinho), uma vez que fora nomeado para ocupar os cargos comissionados de Diretor de Desenvolvimento e Chefe de Gabinete, mesmo sem ter experiência alguma com Gestão Pública.
Algo semelhante aconteceu com o advogado jauense Giuliano Griso, nomeado Diretor de Obras e Meio Ambiente sem nenhuma formação na área. Griso tinha conhecimento sobre execução de fraudes em contratos, desvios de impessoalidade, com o objetivo de satisfazer interesses escusos e pecuniários de terceiros.
Flávio e Griso cuidaram “diretamente da parte dos negócios sujos e conferindo ares de legalidade, seja falsificando documentos ideologicamente, seja vazando informes privilegiados (como preços de orçamentos em contratações), seja recebendo dinheiro em espécie, direcionando contratos”, diz a promotoria.
A função de Flávio e Griso era “a requisição de contratação de serviços em desconformidade com as necessidades de suas pastas, ou cujas empresas contratadas já estavam previamente escolhidas. Essas requisições ou termos, continham minúcias que impediam a competitividade, bem como viabilizavam o superfaturamento de preços”. Para isso, Flávio e Griso simulavam existência da concorrência e cotação de preços. Ou seja, os procedimentos licitatórios eram “montados”, após já terem sido definidos pelo grupo criminoso quem seriam os vencedores. Dessa forma, o ato ganhava contornos de legalidade.
Flávio Coletta também era um dos responsáveis por recolher parcelas de propinas pagas mensalmente. Ele já era réu no primeiro processo da Operação Prenunciados e, nesta semana, virou réu pela segunda vez.
Abílio Giacon
O proprietário da Mazo & Giacon foi apontado como “o articulador do esquema”. Ele era responsável por identificar as melhores oportunidades em fraudes contratuais, aliciando pessoas, assim como fez em relação a Paulo Ricardo Barboza (dono da Latina Ambiental). Abílio ainda era encarregado pela apresentação e pela solicitação de orçamentos manipulados e ideologicamente falsos, a fim de simular uma licitude em procedimentos. Giacon tomava decisões, juntamente com os demais membros do grupo, em novas contratações e, ainda, arrecadava dinheiro ilícito decorrente das fraudes.
Assim como Flávio, Abílio Giacon também era um dos responsáveis por recolher parcelas de propinas pagas mensalmente.
Paulo Ricardo Barboza
O proprietário Latina Ambiental é definido como “pessoa experiente no ramo de fraudes em licitação e contratual, além de corrupção de agentes públicos”. Sua função no grupo era fornecer meios para direcionar o desfavor dos cofres públicos, através de serviços não prestados, por exemplo.
Como moeda de troca, Paulo Ricardo fornecia vantagens ilícitas para agentes públicos e privados participantes do esquema. Para ilustrar essa afirmativa, foram anexados ao processo imagens de automóveis de luxo que pertencem ao dono da Latina, como BMW, Audi, Porsche, Land Rover, além de relógios da marca Rolex.
A vida de luxo de Paulo Ricardo Barboza ainda chamou a atenção por uma viagem à Paris, a qual o dono da Latina realizou dias após arquitetar o atentado violento contra o empresário baririense Fábio Yang: Barboza viajou de classe executiva adquirindo passagens no valor de R$ 35.493,92.
Alexandre Gonçalves
Capitão da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Integrou o grupo mediante remuneração de R$ 5 mil para exercer atos de agressões e violência (física e patrimonial), em face do empresário Fábio Yang, valendo-se de sua posição militar. Para executar o crime ocorrido em 02 de junho, contou com informações passadas pelos demais membros da organização criminosa, que alugaram veículo utilizado no crime, informaram a localização da vítima, sua identificação, qualificação e rotina.
Prefeito Abelardo Simões?
Além dos cinco acusados, o Ministério Público ainda relacionou, sem citar nomes, um sexto elemento envolvido na organização criminosa como “pessoa cuja responsabilidade será apurada em separado”.
Conforme a promotoria, essa pessoa é “peça fundamental no esquema criminoso, sendo o principal articulador e avalista das fraudes em licitações e dos desvios de dinheiro público que assolaram a cidade de Bariri. Utilizando-se de função na cúpula do Poder Executivo, viabilizava a nomeação de pessoas para cargos e funções de confiança, que também estavam previamente conluiados”.
Vale lembrar que o prefeito Abelardo Simões possui o chamado foro por prerrogativa de função, uma espécie de foro privilegiado, por ocupar o cargo de chefe do Executivo Municipal. Por conta disso, a investigação em face do prefeito foi encaminhada para a Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo (PGJ).
Crimes atribuídos aos réus
Organização Criminosa: Pena de 3 a 8 anos de prisão, aumentada de 1/6 a 2/3 pela participação de funcionário público. O crime atribuído à Flávio, Griso, Abílio, Paulo Ricardo e Alexandre, consiste em associação, de quatro ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informal, com o objetivo de obter vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais.
Frustração ao caráter competitivo de licitação: Pena de 4 a 8 anos de prisão. O crime atribuído à Flávio, Griso, Abílio e Paulo Ricardo, consiste em frustrar ou fraudar o caráter competitivo do processo licitatório, com o objetivo de obter para si ou para outro a vantagem decorrente do objeto da licitação.
Fraude na execução dos contratos: Pena de 4 a 8 anos de prisão. O crime atribuído à Griso, e Paulo Ricardo, consiste no uso de meio enganoso ou ardiloso com o intuito de contornar a lei ou um contrato, seja ele preexistente ou futuro.
Corrupção ativa e passiva: Pena de 2 a 12 anos de prisão. Crime atribuído à Flávio, Griso, Abílio e Paulo Ricardo. Corrupção ativa consiste em oferecer vantagem indevida a um funcionário público, em troca de algum tipo de favor ou benefício. Já corrupção passiva é atitude do funcionário público em solicitar ou receber vantagem ou promessa de vantagem em troca de algum tipo de favor ou benefício ao particular (propina).
Coação no curso no processo: Pena de 1 a 4 anos de prisão. O crime atribuído a Flávio, Abílio, Paulo Ricardo e Alexandre consiste na prática de atos de violência ou ameaça, com objetivo de favorecer a si ou outra pessoa, interferindo em processo judicial, administrativo ou inquérito policial.
Roubo: Pena de 4 a 10 anos, aumentado de 1/3 pela participação de mais de duas pessoas e aumentado de 2/3 pelo uso de arma de fogo. O crime de roubo é um ato ilícito praticado contra o patrimônio ou bens. Atribuído a Flávio, Abílio, Paulo Ricardo e Alexandre.
Modus Operandi da organização criminosa
• O grupo se valia de reuniões presenciais, mensagens de texto, dinheiro em espécie para praticar os atos ilícitos;
• Primeira reunião dos envolvidos para tratativas fraudulentas foi realizada em 21 de janeiro de 2021, em menos de um mês da posse de Abelardinho na cadeira do Executivo. Na ocasião, estavam presentes Paulo Ricardo, Abílio Giacon, Flávio Coletta, Vagner Mateus Ferreira e o prefeito Abelardo Simões;
• A primeira reunião dos envolvidos foi informada através de depoimento de Vagner Mateus Ferreira. A presença de Paulo Ricardo, dono da Latina, na data em questão, foi confirmada através da quebra do sigilo de geolocalização;
• A partir desta data, Paulo Ricardo passou a receber chamadas constantes do número de telefone fixo da Prefeitura Municipal de Bariri;
• No início de fevereiro de 2021, foi realizada a segunda reunião entre os coautores, organizada por Flávio Coletta;
• Em 8 de fevereiro, Paulo Ricardo retorna à Bariri após receber telefonema de Flávio Coletta. Nesta ocasião, o dono da Latina foi presenteado com o livro “Eu não sabia que era tão longe”, de Osni Ferrari. Na obra foi encontrada uma dedicatória assinada pelo prefeito Abelardo Simões, dando a entender que ele presenteou Paulo Ricardo com o livro, além de cartões de visita de Abílio Giacon Neto;
• Paulo Ricardo entregou à Flávio Coletta um arquivo digital (via pen-drive), com os termos da licitação da limpeza pública, condições que garantiriam que a Latina sairia vencedora da licitação;
• O dono da Latina estipulou que sua empresa recebesse o valor mensal de R$ 220 mil, sendo que a empresa anterior executava o mesmo serviço com o dobro de funcionários por R$ 139 mil;
• Em interrogatório, Flávio confirmou que se encontrou com Paulo Ricardo na Prefeitura de Bariri antes da licitação, além de confirmar que já tinha almoçado com ele e Abílio em outras ocasiões;
• Flávio Coletta entregou o pen-drive obtido de Paulo Ricardo para Giuliano Griso, que com base no documento, deflagrou pedido de licitação, apresentando um termo de referência com inúmeras condições e exigências para participação do certame licitatório, como se tivesse sido ele o responsável pela elaboração;
• Edital da licitação da limpeza pública de Bariri foi o mesmo que a Latina apresentou no município de Santa Gertrudes-SP, contendo, inclusive, os mesmos erros ortográficos. Mais tarde, o mesmo edital também foi apresentado no município de Itaju, onde a Latina também venceu a licitação;
• Desconfiados dos termos da licitação, servidores do Setor de Licitações da Prefeitura Municipal de Bariri, determinaram que o pregão fosse realizado no formato eletrônico. No entanto, Giuliano Griso e o prefeito Abelardo, determinaram que o certame acontecesse no formato de pregão presencial;
• No dia do pregão presencial, a Latina Ambiental foi a única participante, e, com base em todo o direcionamento do contrato, se sagrou vencedora da licitação;
• Licitação fraudulenta gerou prejuízo mínimo de R$ 455.527,65, aos cofres públicos, conforme contabilizado pelo Tribunal de Contas;
• Após a exoneração de Giuliano Griso, o então diretor de Obras, Elder Abel Viana, confirmou ao Ministério Público que decretou acréscimo de 25% no valor no contrato da Latina, atendendo a uma determinação de Flávio Coletta e Paulo Ricardo, definida após reunião ocorrida no gabinete do prefeito Abelardinho;
• Foi atribuído a Daiane Cristina de Sousa (proprietária de uma floricultura de Bariri) a responsabilidade de trabalhar como intermediadora entre Prefeitura Municipal e Latina Ambiental;
• Daiane havia sido contratada pela Prefeitura de Bariri, de forma direta, para prestação de serviço de revitalização de quatro praças. Contudo, após a revitalização de duas praças, ao invés de prestar o restante dos serviços contratados, o Executivo determinou que ela, recebendo pelo contrato das praças, passasse a controlar a execução do serviço de limpeza pública;
• Daiane era quem analisava os requerimentos de serviços, emitia ordens de serviços que, posteriormente, era apenas assinadas pelos diretores;
• Daiane prestou depoimento ao Ministério Público em 19 de setembro, ocasião na qual confirmou as alegações acima.
Esquema de recebimento de propinas
Conforme apontou a promotoria, Paulo Ricardo Barboza, proprietário da Latina Ambiental, destinava valores mensais, em dinheiro aos envolvidos. Os valores eram entregues pessoalmente para Flávio Coletta e Abílio Giacon, que se deslocavam até a cidade de Limeira para recolhimento.
Após recolhida, a propina era direcionada a pessoas ligadas ao Executivo. Em depoimento, Paulo Ricardo confirmou que pagava propina ao prefeito Abelardo Simões, através de valores recolhidos por Flávio e Abílio.
As propinas sempre eram pagas em dinheiro vivo. Imagens de câmeras de segurança e monitoramento revelaram a presença de Flávio Coletta na sede da Latina Ambiental, em Limeira, no dia 25 de novembro de 2022, para receber os valores ilícitos em uma das ocasiões. Nesta data em questão, Flávio já não ocupava nenhum cargo comissionado na Prefeitura de Bariri, mas continuava a participar de forma ativa do esquema.
Testemunhas ouvidas pelo Ministério Público também confirmaram que Abílio Giacon foi à sede da Latina Ambiental, por inúmeras vezes, para receber os valores.
A quebra do sigilo bancário de Paulo Ricardo Barboza, revelou que o empresário realizou diversos saques, em datas anteriores ou iguais às anotações de pagamento de propina inseridas em sua agenda pessoal.
Para pagar a propina em espécie, o proprietário da Latina Ambiental realizava saques em diversas instituições bancárias (como Banco do Brasil e Sicob), reservando os valores, antecipadamente aos saques, com gerentes das respectivas agências.
Os pagamentos mensais de propina, em dinheiro vivo, à Flávio e Abílio, foram realizados no período entre os meses de agosto de 2021 até junho de 2023.
Ressarcimento aos cofres públicos
Por fim, o Ministério Público, através do GAECO, impõe a fixação de valor mínimo de reparação de danos ao erário (reembolso aos cofres públicos), em caráter de solidariedade, o valor mínimo de R$ 11 milhões.
“Há evidente dano moral coletivo em desfavor da sociedade baririense a partir dos fatos protagonizados perante a Administração Pública Municipal. Traindo a confiança que lhes foram depositadas como agentes públicos ou mesmo contratados pelo Poder Público, decidiram fraudar procedimentos que deveriam ser democráticos e, após, desviar recursos públicos. A eles foram depositadas confianças para dias melhores no município. Mas a vontade de lucrar foi maior que o compromisso com a sociedade. E valer-se de funções públicas para alcançar tais propósitos torna ainda mais abjeta suas posturas, a exigir reparação de equivalente intensidade”, concluiu a promotoria.
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