O velho carro novo

O velho carro novo

Outro dia participei da reunião semanal que meus amigos fazem aos finais de semana. A desculpa era colocar a conversa em dia, mas o que eu queria mesmo era exibir o meu carro novo. Afinal, um octogenário também tem suas vaidades.

Depois da epopeia narrada na crônica “Computador de Bordo”, publicada na edição 189, de 12 de novembro passado, fiquei decepcionado com aquele veículo. Relembrando: eu estava numa das mais movimentadas ruas do Centro de Bauru quando encontrei uma vaga para estacionar. Iniciei a manobra dando marcha-a-ré. Repentinamente, o volante endureceu tanto que eu não conseguia esterçá-lo. Estava pior do que a direção do Ford 1929 que usei para aprender a dirigir. Parado no meio da rua, fui alvo de um verdadeiro buzinaço, pois meu carro provocava um gargalo no fluxo do trânsito. Nervoso e exaurido, quase sem forças, vislumbrei uma mensagem no painel. Fiquei feliz. Finalmente, o computador iria resolver o problema, sem que eu precisasse apelar para as “organizações tabajara” (aquela do “Casseta&Planeta”, lembram-se?). Mas minha alegria durou pouco. O computador apenas me avisou: “defeito na direção”, coisa que até uma anta já teria descoberto.

Depois desse drama, resolvi trocar de carro. Fui a uma concessionária e escolhi um zero quilômetro que me agradou sob todos os aspectos, inclusive o financeiro. Finalmente chegara o dia de mostrar o carro aos meus amigos. Alguns já haviam me visto dirigindo o bólido e não pouparam elogios: “É muito bonito. Tem linhas modernas! É novinho em folha!” Aí alguém falou, voz firme e forte: “É 2008”. E repetiu: “2008”. Quem não conhecia o carro se entreolhou atônito. Aqueles que o conheciam reagiram: “Engano seu. O carro é zero, novinho em folha!”. Estava criada a confusão.

Como eu conhecia o “artista” de longa data, logo percebi qual seria o enredo daquele espetáculo. Preferi ficar em silêncio, aguardando os acontecimentos. Quando o rapaz do contra afirmou “eu aposto”, apenas como força de expressão, os opostos resolveram fazer uma aposta. Que começou com meia dúzia de garrafas de cerveja e logo se transformou em quatro caixas. Era muita cerveja! Alguém sugeriu: “Vamos fazer um bolão!” Entretanto, logo surgiu um problema: se ele ganhasse, ficaria com os bolsos cheios. Mas, se perdesse, não encheria o bolso de ninguém. Nesse momento, alguém deu uma ideia mais prática: conferir o carro. Quando o grupo se aproximou do veículo, todo mundo deu um sorriso, inclusive o “teimoso”. Ao cessarem os comentários, um silêncio sepulcral tomou conta do ambiente e criou uma grande expectativa para a explicação dele: “Eu jamais disse que o carro não era zero. Eu afirmei, e reafirmo agora, que ele é 2008. Algumas montadoras dão nomes aos seus carros: Gol, Opala, Ônix etc. O fabricante desse carro novo usa números para denominar seus modelos: 208, 308, 3008 etc. O veículo não foi fabricado em 2008, como vocês entenderam, mas é um 2008”. E, com um sorriso vitorioso estampado na face, apontou para a traseira do veículo. Lá estava, em chamativas peças de metal cromado, o motivo de todo aquele rebuliço: o carro zero quilômetro realmente é um 2008!