“O consultório e as questões profundas que demandam a existência”
Dias atrás, uma pessoa que procurava o consultório, para os serviços clínicos pela primeira vez, perguntava sobre o que seria a atividade de um filósofo clínico. Por sinal, esta pergunta é frequente no consultório. Portanto, considerando ainda tal frequência, o assunto desta edição retomará alguns pontos de um artigo editado há alguns anos atrás neste jornal, no qual o tema foi pautado na costumeira pergunta: o que faz um Filósofo Clínico?
Pois bem, trata-se de um trabalho terapêutico a considerar a pessoa em suas dinâmicas e demandas existenciais. Portanto, dentro desse contexto, primeiramente algumas questões:
- ao atuar no consultório o que deveria o Clínico buscar?
- buscaria fazer a pessoa se sentir bem, por exemplo, na atividade que ela realiza na empresa em que trabalha?
- ajudaria a pessoa a lidar com o colega de trabalho que diante dela tem uma posição, mas por trás é corrosivo e capcioso?
- procuraria fazer com que a relação conjugal desgastada da pessoa, por um jeito ou por outro, fosse sustentada?
- levaria o partilhante a suportar o comportamento de um filho que não está nos “moldes estabelecidos”?
- educaria a pessoa a tolerar a rispidez, frieza e indiferença do cônjuge?
Muitas outras questões poderiam ser aqui dispostas, porém estas foram elencadas apenas para dizer que não se trata disso. Não seria esse o procedimento de um filósofo clínico em interseção com o partilhante, aprioristicamente falando. Isso porque, o processo terapêutico vai em direção de coisas mais profundas, ou seja, vai em direção ao Assunto Último e este sim poderá até corresponder com o acima citado. Se o filósofo clínico ponderasse em seu trabalho a partir, simplesmente, das considerações referidas no Assunto Imediato, não seria Filosofia Clínica, mas sim uma busca de analgesia, enquadramento para satisfações imediatas.
No dia a dia do consultório, o que é realizado é bem diferente do que o apresentado acima. Não foram poucos os artigos escritos para este semanário, em que foram destacados que cada pessoa tem um jeito único de ser no mundo e que é através de sua história de vida (Historicidade) e minucioso estudo da mesma, que poderá ser possível indicar caminhos, mas não caminhos prontos que encontramos “pra cá e pra lá” e sim o que tem a ver com sua composição existencial.
Sem o devido cuidado, poder-se-ia perpetuar elementos que não seriam pertinentes à pessoa, mas ao parecer simplesmente subjetivo do filósofo ou de alguns “pratos feitos” que se possa encontrar.
Exemplo: Uma pessoa chega ao consultório com uma demanda referente ao trabalho, pois não suporta mais o ambiente e as pessoas com quem compartilha a atividade e responsabilidade. Para os padrões de época poder-se-ia dizer que se tem uma boa posição na empresa, um bom salário, goza de certa estabilidade... O que fazer? Ainda que esteja embrenhado em uma nocividade, deveria convencê-lo de que está no “céu” e que não se deu conta, ou seja, considerando superficialmente: a boa posição, o bom salário e a estabilidade, ou deveria aprofundar em sua estrutura para saber se de fato há pertinência permanecer aí ou não? Em seguida, em algumas pessoas virá à assertiva: mas se ele ganha bem, tem boa posição e estabilidade, tem que suportar! Dependendo da estrutura subjetiva, poderá a função que exerce levar a pessoa, se com propensões somáticas, a adicionar aos “benefícios” a úlcera estomacal, as dores tencionais fruto do estresse associado à depressão, hipertensão arterial, insônia etc. Muitas vezes, aparecem realidades assim, ou seja, que estão destruindo a vida da pessoa e ela nem se dá conta de que é isto. E assim, consequentemente pensar: como poderia um emprego assim fazer mal? Sim, isso tudo poderá fazer parte do pacote. Desta forma, algumas vezes o melhor, após tudo bem fundamentado, seria que a pessoa pedisse demissão e seguisse a vida por outras buscas. Lembrando que outros apontamentos poderiam ser feitos! O pequeno desdobramento no campo do trabalho, já possibilita certa compreensão da atuação de um filósofo clínico.
Por fim, o que objetiva os trabalhos de um filósofo clínico não está em acomodar o movimento da pessoa em um simples bem estar, pois, isso poderá ser nocivo não só para ela e inclusive para a sociedade, ou seja, uma ideia hedonista de encaixes imediatos e práticos com caráter de pura “analgesia” momentânea. Portanto, o filósofo clínico procurará no partilhante coisas que estão na existência, ou buscará a própria existência, e nesta, ajudá-lo a repensar suas opções, funções, posições etc.
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