Serra da Boa Esperança

Serra da Boa Esperança

“Serra da Boa Esperança, esperança que encerra / No coração do Brasil, um punhado de terra / No coração de quem vai, no coração de quem vem / Serra da Boa Esperança, meu último bem / Parto levando saudades, saudades deixando / Murchas, caídas na serra, lá perto de Deus / Oh, minha serra, eis a hora do adeus, vou-me embora / Deixo a luz do olhar no teu luar / Adeus / Levo na minha cantiga a imagem da serra / Sei que Jesus não castiga o poeta que erra / Nós, os poetas, erramos, porque rimamos também / Os nossos olhos nos olhos de alguém que não vem / Serra da Boa Esperança, não tenhas receio / Hei de guardar tua imagem com a graça de Deus / Oh, minha serra, eis a hora do adeus, vou-me embora / Deixo a luz do olhar no teu luar / Adeus”
Prezado leitor, você tem diante de seus olhos uma das mais belas páginas da música popular brasileira! Tomei a liberdade de fazê-la chegar até você por três motivos. Primeiro: ela é muito antiga, e a boa música não envelhece, pois é eterna, mas hoje não encontra espaço nas rádios nem nos programas de TV. Segundo, para você fazer uma comparação entre a música de outros tempos e a de hoje. O terceiro motivo é curioso: pedir para você interpretá-la. Calma, não pedi para você cantá-la. Eu não desejo para os outros o que não tenho competência para eu mesmo fazer. Se você é cantor e deseja mostrar os seus dons vocálicos, terei imenso prazer em ouvi-lo. Mas, no caso, usei a expressão “interpretar” no sentido de tentar descobrir qual é a mensagem que a música transmite. A letra fala em “meu último bem”, invoca o nome de Jesus, reconhece um erro e dá um último adeus. O que será que havia acontecido? 
Lamartine Babo, o autor, é um dos maiores compositores de todos os tempos, tendo criado músicas tão variadas como marchinhas de carnaval, os hinos dos principais times do futebol carioca e pérolas românticas. Entre suas mais famosas canções está essa que focalizamos hoje, gravada por cantores de renome como Francisco Alves, Maria Bethânia, Altemar Dutra e Francisco Carlos, entre tantos outros. O compositor vivia uma fase da sua vida marcada pela desilusão. No mundo encantado da música era um protagonista. Entretanto, no cotidiano da vida real, não passava de mero coadjuvante do segundo escalão. Havia ocorrido um fato que retratava muito bem essa realidade. Ele estava em uma cidade do interior do Estado quando precisou mandar uma mensagem para o seu chefe, no Rio de Janeiro. Dirigiu-se ao local onde havia um telégrafo e começou a preencher o formulário no qual redigiria a mensagem. De repente, um dos telegrafistas mandou uma mensagem em Código Morse para seu colega, também funcionário, que estava na mesma sala. Dizia “Baixinho, barrigudo e careca”, referindo-se ao compositor. Lamartine, que também trabalhara como telegrafista e por isso conhecia o Código Morse, decifrou a mensagem e, batendo o lápis no balcão, respondeu: “Baixinho, barrigudo, careca e telegrafista”. 
A vida transcorria descolorida e desinteressante quando o nosso herói recebeu uma correspondência. Era um envelope diferenciado, preenchido com letra maravilhosa. Além disso, exalava um perfume irresistível. Era o cheiro do amor! (continua na próxima edição)