“Dialogar com o já vivido”

“Dialogar com o já vivido”

O tema desta edição tem bastante proximidade com um artigo por mim publicado em antiga edição, neste jornal. Por solicitação de algumas pessoas, o assunto será retomado com algumas alterações e novas considerações.
O que motivou o assunto foi que, tempos atrás ouvia uma conferência realizada pelo Professor Lúcio Packter na qual ele dizia que “há pessoas, que quando recobram as esperanças, podem dar a impressão de que estão adquirindo esperanças, fazendo uma vida toda para frente, como uma construção, quando na verdade é apenas uma combinação de elementos que estão sendo resultados”. Desse modo, a partir desta separata de Packter, é que será desenvolvido o assunto desta edição.
Algumas pessoas chegam ao consultório desejando retomar alguns pontos em sua história que foram, de alguma forma, para elas, significativos. Momentos que geraram alegria, conforto, que foram motivadores ou não, são movimentos que sugerem, muitas vezes, uma volta para algo.
É preciso considerar que em alguns casos não é simples retornar, pois alguns acontecimentos já se encontram conclusos. É como que se o que se pretendeu fazer, ainda que em andamento enquanto acontecimento, sendo, portanto, incompleto, para a pessoa este acontecimento já se coloca como algo acabado e, portanto, não há mais como associar ou retornar, pois pertence a outro contexto e outras coisas mais.
No entanto, há pessoas que ao retornarem para determinado período ou determinado fato e, podendo este estar relacionado, por exemplo: ao trabalho, relacionamento, lugar etc., acabam por arranjar uma experiência de inovação, ou seja, uma experiência capaz de extrair do já realizado, do já vivido, novidades e, com isso, abrirem-se com confiança para o que está em andamento e até mesmo para o futuro. Outros, pelo fato de não dialogarem com o passado, acabam por não conseguirem olhar para o futuro, não se dispõem para o devir. Em alguns casos, somente retornando ao já vivenciado é que conseguiriam ir adiante, em outras palavras, sem “revivenciarem” certos roteiros, o novo não surge. 
Pois bem, como viver o já vivido? É verdade que, retornar aos mesmos contextos, pessoas e tudo mais, é pouco provável, todavia, retornar aos roteiros, ainda que com novas roupagens e personagens, em alguns casos, seja possível. Nem tudo que uma pessoa vivenciou se deu por inteiro e, com isso, alguns retornos podem completar o vivenciado parcialmente. Alguns retornos podem acomodar e aconchegar movimentos existenciais no presente, motivando o que está por vir a ser.
Também, há aquelas pessoas que chegam ao consultório queixando-se de estarem andando para trás. Esse fenômeno pode se dar pelo fato de em certo momento da vida de tais pessoas, falando a partir da Categoria Tempo, estas desacelerarem o movimento existencial e, com isso, terem a impressão de retorno. Um simples exemplo: uma criança que está viajando no banco de trás de um automóvel com velocidade de 100 km/h e, olhando lateralmente vê outro automóvel ultrapassando-a e, em decorrência disso, ela tem a impressão de estar indo para trás. Analogamente, algumas pessoas podem “experienciar” algo assim em suas vivências.
Também, é preciso considerar que algumas pessoas não olham para frente, estão afixadas na história, ou seja, no que já ocorreu e só serão capazes de viver o presente com o olhar voltado para o passado. Para tais pessoas, a ação para trás é que possibilitará caminhar para frente, isto é, o vir-a-ser. Isto porque, tem toda sua base no já vivenciado, pois aí é que está o novo. Também, é possível compreender um processo comparativo em algumas pessoas. O que isso quer significar? É uma espécie de afronte, ou seja, é preciso comparar o já vivido, o acervo existencial para só assim estabelecer o que é pretendido para o aqui, o agora.
Há ainda aquelas que vivenciam seus movimentos existenciais dentro de um processo, sempre assim. Significa dizer que sem a causa primeira, sem o precedente não há o procedente – um pouco da metafísica de Aristóteles – o retorno às experiências para tais pessoas é como uma forma de segurança e essas experiências poderão estar relacionadas a outras pessoas, lugares, coisas etc. e são estas muitas coisas em conversação é que possibilitarão novos passos.
Para concluir, é importante entender que há muitas maneiras de transitar e construir as vivências no mundo. Aqui foram elencados alguns dos muitos e possíveis modos de lidar com o estar no mundo.