Caso Marques terá novo júri: “Viver isso mais uma vez não é fácil e espero que o que está escrito na Constituição se faça válido”, diz filho da vítima

“O ofendido se encontrava sozinho, alcoolizado e desarmado, havendo, pois, gritante disparidade de forças em relação aos réus, em superioridade não só numérica, como também de capacidade e aptidão física, anotando, a propósito, o conhecimento em artes marciais de Álvaro e Eduardo. Observa-se, aliás, que em que pese as agressões terem sido praticadas pelos três réus, havia número ainda maior de seguranças ao redor. Difícil crer, nesse cenário, tenham os réus efetivamente temido por suas integridades físicas, seja em razão de ameaças supostamente proferidas pela vítima, seja pelo objeto que teria a vítima sacado do bolso (que se trataria de um molho de chaves).” – Relator Juscelino Batista, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Cinco anos e pouco mais de um mês após a morte do advogado Luís Henrique Marques, uma reviravolta no caso, outrora encerrado, reviveu o sentimento de dor pela perda trágica e de todo o extenso processo judicial que fragilizou os familiares da vítima. Na última semana, o julgamento que absolveu os seguranças acusados pela morte de Marques foi anulado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Uma nova data (ainda não definida), deve ser marcada em breve.
Luís Henrique Marques faleceu em 03 de março de 2020, aos 51 anos, após sofrer traumatismo cranioencefálico na UTI da Santa Casa de Jaú. O advogado veio a óbito nove dias após um episódio ocorrido na noite de 23 de fevereiro de 2020, durante o tradicional carnaval do Umuarama Clube.
Na data em questão, Luís Henrique Marques, em estado de embriaguez, foi retirado do clube por alguns seguranças que prestavam serviços terceirizados no evento. Câmeras de monitoramento flagraram a ação, que durou pouco mais de um minuto. As imagens mostram Marques em um dos portões externos do clube, cercado por pelo menos seis seguranças.
Após passar pelo portão, Marques é agredido pelas costas. Cambaleando, ele reage, mas é agredido por pelo menos três homens. Outros três observam o espancamento. Depois de levar vários chutes, pontapés e socos, o advogado cai desacordado e fica no chão. Os agressores ainda mexem nas pernas da vítima e observam que o homem está imóvel.
Os três seguranças que aparecem nas imagens, Eduardo de Araújo Alves, Álvaro Augusto Paleari Junior e Luiz Machado Rocha Filho, foram denunciados pelo Promotor de Justiça, dr. Nelson Aparecido Febraio Junior, por homicídio triplamente qualificado (motivo fútil, meio cruel e recurso que impossibilitou a defesa da vítima).
O Judiciário acatou a denúncia do Ministério Público e pronunciou os réus, que foram submetidos ao Tribunal do Júri por se tratar de um crime hediondo (que atenta contra a vida), em 16 de julho de 2024. Após aproximadamente 10 horas, o Juiz dr. Igor Canale Peres Montanher, leu o veredicto conforme determinação dos jurados: o tribunal concluiu que Eduardo, Alvaro e Luiz Machado não cometeram homicídio e não tiveram a intenção de matar a vítima.
A decisão final condenou apenas Eduardo de Araújo Alves por lesão corporal seguida de morte. A pena de Eduardo (quatro anos) estava sendo cumprida em regime aberto. Alvaro e Luiz Machado foram totalmente absolvidos, pelo menos até quinta-feira passada, 10 de abril.
Julgamento é anulado
Em 14 de novembro de 2024, a Promotora de Justiça Claudia Aparecida Jeck Garcia Nunes de Souza, do Ministério Público do Estado de São Paulo, apresentou recurso de apelação criminal, contestando a decisão do júri, que absolveu os réus.
“A decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos, o que não autorizava o desfecho absolutório, nem mesmo por clemência. Pugna, por tais fundamentos, a nulidade da sessão e julgamento (...) e, por consequência, seja declarada a nulidade da decisão emanada do Conselho de Sentença, com a submissão dos acusados a novo julgamento perante o Tribunal Popular, juízo natural para a causa”, pediu a promotoria.
Para o Ministério Público, o Tribunal do Júri foi contraditório, uma vez que, embora tenha reconhecido a existência do crime, não culpabilizou os acusados.
“Os jurados reconheceram a materialidade, mas, contraditoriamente, absolveram os acusados sem qualquer fundamento, diversamente de todo arrecadado em toda a persecução, de modo que o veredicto se revela inválido”, conclui.
A defesa de Eduardo, representada pela advogada dra. Daniela Rodrigueiro, também apresentou recurso contestando a pena atribuída ao réu (quatro anos em regime aberto), solicitando um novo julgamento para ele.
Em decisão datada de 10 de abril de 2025, o relator Juscelino Batista, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, acompanhou o parecer do Ministério Público, decretando a nulidade do Juri. Ao mesmo tempo, o relator negou o recurso apresentado pela defesa de Eduardo.
“Pertinente, assim, o acatamento do pleito ministerial para realização de novo julgamento em Plenário de Juri, porquanto o veredicto se mostrou divorciado do conjunto probatório amealhado nos autos (...). De todo o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso defensivo e dou provimento ao recurso de apelação interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo para anular o julgamento e determinar que a outro sejam submetidos os réus Álvaro Augusto Paleari Júnior, Luiz Machado Rocha Filho e Eduardo de Araújo Alves”, definiu o relator.
O Noticiantes entrou em contato com Leonardo Marques, filho da vítima, que fez o seguinte comentário:
“viver isso mais uma vez não é fácil e espero que o que está escrito na Constituição se faça válido”.
Assistente de acusação diz que anulação do júri representa esperança
Em nota enviada à nossa reportagem o advogado dr. Gabriel Oliveira Pires de Moraes, que atuou como assistente de acusação no Tribunal do Júri, destacou a decisão de anulação do julgamento.
“O provimento do recurso de apelação interposto pela acusação para submissão dos réus a novo julgamento pelo Tribunal do Júri representa a esperança de que tenhamos um veredicto que possa, a um só tempo, refletir na sociedade o sentimento de justiça e afastar a impunidade dos algozes do dr. Luís Henrique Marques. Agora, enquanto representante da assistente de acusação, aguardaremos o transcurso do prazo para eventuais recursos da defesa dos réus às Cortes Superiores e, então, a designação da data da nova sessão de julgamento”, disse dr. Gabriel.
Defesa x Acusação
Para apresentar sua peça diante do júri, a defensora dos réus, dra. Daniela Rodrigueiro, sustentou principalmente o fato de que Luís Henrique Marques possuía histórico de relacionamento abusivo com sua ex-esposa (alegação que, diante de um júri composto em sua maioria por mulheres, pode ter sido crucial para o veredicto).
No dia 23 de fevereiro de 2020, Marques se desentendeu com a ex-companheira durante o carnaval. A mulher prestava serviço como freelancer no Umuarama Clube e acionou a equipe de segurança após ser ameaçada pela vítima.
Daniela Rodrigueiro exibiu ao júri registros telefônicos que mostravam inúmeras ligações de Marques para o número da ex-esposa. Com base no depoimento da mulher, a advogada sustentou que a vítima não aceitava o fim da relação; que praticou episódios de violência doméstica ao longo dos 10 anos de relacionamento.
A ex-companheira de Marques disse que ele a ameaçou de morte no dia do fato. Duas funcionárias que também trabalhavam no evento e o gerente administrativo do Umuarama alegaram o mesmo em seus respectivos testemunhos.
Dra. Daniela Rodrigueiro ainda colocou em dúvida uma possível queda de Marques da maca do hospital, após o advogado ter dado entrada na Santa Casa de Bariri. Uma enfermeira da Santa Casa que estava de plantão na noite do fato, negou a suposta queda.
Durante as oitivas de Eduardo, Alvaro e Luiz Machado, os réus negaram o uso de violência extrema contra Marques. Os seguranças alegaram que a vítima partiu para cima da equipe por diversas vezes, que tiveram que agir em sua própria defesa e que Marques caiu e bateu a cabeça no chão da calçada do Umuarama.
Por outro lado, o Promotor de Justiça dr. Hércules Sormani Neto e o assistente de acusação dr. Gabriel Oliveira Pires de Moraes, apresentaram a tese da acusação, representando os familiares de Luís Henrique Marques. Assim como a denúncia inicial apresentada pelo Ministério Público, eles se basearam principalmente nas imagens externas do circuito de monitoramento que flagraram a ação dos seguranças na noite de 23 de fevereiro de 2020.
A acusação exibiu o vídeo por algumas vezes aos jurados, sustentando que Eduardo, Alvaro e Luiz Machado agrediram violentamente Marques com socos e pontapés, destacando o fato de que a vítima estava sozinha e em estado de embriaguez, enquanto os seguranças estavam em maior número.
Dr. Gabriel ressaltou que Eduardo e Alvaro são praticantes experientes de Jiu Jitsu (arte marcial japonesa que utiliza diferentes técnicas e golpes corporais para derrotar ou imobilizar o oponente), sendo Eduardo faixa preta e Alvaro faixa roxa do esporte. A defesa questionou, por vários momentos, por que os seguranças simplesmente não colocaram Marques para fora do clube e acionaram a polícia.
O assistente de acusação exibiu aos jurados fotos do corpo da vítima, bem como o exame da médica legista que constatou lesões frontais, na face e na base do crânio como causa determinante da morte. Um áudio do médico plantonista que atendeu Marques também foi mostrado ao júri. No conteúdo, o médico afirma que a vítima estava com a face lesionada “como um lutador de MMA”.
Por fim, a acusação ainda fez mais um questionamento acerca do comportamento dos seguranças. Imagens das mesmas câmeras de monitoramentos flagraram pelo menos um dos réus procurando por câmeras nas proximidades do portão do Umuarama onde aconteceu o fato. Para a acusação, esse fato provou que os réus tinham conhecimento dos abusos que cometeram contra a vítima, e preocuparam-se com a possibilidade de as agressões terem sido registradas (conforme realmente ocorreu).
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