Pegoraro diz que CAPS está irregular e sugere terceirização; fala cai como uma bomba entre os servidores da saúde mental, que rebatem, citam humilhação e apontam equívoco do prefeito de Bariri

Pegoraro diz que CAPS está irregular e sugere terceirização; fala cai como uma bomba entre os servidores da saúde mental, que rebatem, citam humilhação e apontam equívoco do prefeito de Bariri

“O Senhor Airton Pegoraro, até o presente momento, não se deu ao trabalho de visitar presencialmente o CAPS para nenhuma reunião, ou mesmo para conhecer a unidade e reunir-se com os servidores que trabalham ali há anos e, de fato, conhecer o funcionamento. Ele tem se baseado em informações de terceiros para ter uma opinião sobre o trabalho realizado. A impressão é que ele é desconexo do que é saúde mental e da realidade baririense. A terceirização não é a solução de tudo. Foram feitos estudos técnicos preliminares para embasar tal decisão? Um pensamento raso para um Chefe do Poder Executivo.  Infelizmente, temos um prefeito elitista, que não conhece a realidade de sua população pobre, que nunca precisou de atendimento em uma unidade de saúde pública da sua cidade, que nunca ficou horas para ser atendido no pronto-socorro. A diretora de Saúde, ao invés de apoiar sua equipe, já desmarcou, em cima da hora, diversas reuniões de equipe. Mesmo com todo o esforço dos servidores, não recebemos em momento algum reconhecimento pela Ana Paula ou o Airton. É a terceirização que vai solucionar os problemas? O que esta gestão precisa é sair de sua bolha elitista e enxergar as necessidades de sua população, não somente do seu empresariado e amigos. A Prefeitura Municipal não é uma empresa particular! Gestão Pública exige muito mais do que premissas básicas da administração de empresas. Bariri é uma cidade doente, que gasta fortunas com remédios, exames, cirurgias e não faz o básico. A população precisa de uma cidade que ofereça uma reestruturação da sua saúde básica, educação digna, ambientes saudáveis para nossas crianças e jovens se desenvolverem. Quem está há anos do CAPS precisa de investimento para sanar as filas de espera.” – membro da equipe do CAPS, que preferiu não se identificar, em entrevista ao Noticiantes.

 

A definição resumida para os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) é a seguinte: “lugares nos quais são oferecidos serviços de saúde abertos para a comunidade, com uma equipe diversificada, que trabalha em conjunto para atender às necessidades de saúde mental das pessoas”. 
Em Bariri, o CAPS foi inaugurado em agosto de 2020, durante a gestão Neto Leoni. Nossa reportagem entrou em contato com o ex-prefeito de Bariri, que contou como surgiu a ideia de implantar o CAPS.


“No ano de 2020 averiguamos a necessidade da implantação do CAPS - Centro de Atenção Psicossocial - haja visto o aumento dos casos relacionados à saúde mental na nossa população. Como naquele momento o município não dispunha de um prédio próprio adequado para esse serviço, em visita ao Lar Vicentino de Bariri, detectamos uma ampla ala que estava desativada e ociosa, mas que se encaixava perfeitamente dentro das normas e diretrizes do programa, já com área verde, salas para alimentação e medicamentos. Em entendimento com a Entidade fizemos a locação (o que, aliás, em muito ajudou a entidade), resolvendo a questão do local para o novo serviço. Dessa forma, após ampla reforma, inauguramos e entregamos o CAPS para os usuários do Sistema Público de Saúde Municipal, gerido pelo Município através de seus zelosos funcionários, que representou um grande avanço para a saúde local”, explicou Neto. 


Nesta semana, rumores de que o CAPS “iria fechar” tomaram conta da cidade após uma declaração polêmica do prefeito Airton Pegoraro (Avante), em uma emissora de rádio local. Em suma, Pegoraro afirma que “O CAPS está irregular em Bariri”.
Na sequência, o prefeito revela planos para terceirizar o serviço. Isso significa que a Prefeitura de Bariri (que hoje administra o CAPS), irá contratar outra empresa para executar o trabalho. Neste caso, a referida empresa, com seu próprio pessoal, toma todas as responsabilidades de atendimentos e serviços sobre a unidade pública. Geralmente, quando um governo opta por terceirizar um serviço público, uma das saídas é a contratação de uma OS (Organização Social) – como foi o caso da Vitale Saúde, que administrou a Santa Casa de Misericórdia de Bariri por anos. 
O anúncio da terceirização do CAPS não foi recebido com entusiasmo pelos servidores públicos municipais que atuam na unidade. Segundo apurado pela reportagem do Noticiantes, a fala do prefeito caiu como uma bomba nos bastidores do CAPS, causando descontentamento em massa. Mesmo levando em consideração que os funcionários não serão demitidos (visto que são concursados), com a terceirização do serviço, todo o funcionalismo público que ali atua seria realocado para outros setores, ideia que causou apreensão.  De acordo com os relatos, a ideia de terceirização passa a impressão de que todo o trabalho já realizado pela equipe precisa ser desconstruído e substituído “por quem saiba fazer”. 
Nesta quarta-feira (19), a Diretora de Saúde, Ana Paula Falcão Rodrigues, também comentou sobre a suposta terceirização do CAPS. Em entrevista ao jornalista Paulinho Camilo durante o programa “Bom Dia Cidade” da 91 FM (Sistema Belluzzo de Comunicação), Ana Paula confirmou que a terceirização citada por Airton é uma questão de tempo. Segundo a diretora, a comunicação com uma empresa que pode assumir a unidade de saúde mental, inclusive, já foi até iniciada.


“Já tem algumas empresas interessadas em fazer essa terceirização do CAPS. Visitamos alguns CAPS da região que funcionam muitíssimo bem. Uma das propostas que a gente tem é de uma pessoa que já trabalhou mais de 14 anos dentro de um CAPS e tem um conhecimento na gerencia muito válido. A terceirização é para curto prazo. Os funcionários, como são de carreira, serão remanejados, porque a equipe que vem traz os profissionais dela”, disse Ana Paula. 

 

“Dizer que o CAPS está irregular é desconhecer o tema”, diz equipe

Nossa reportagem conversou com alguns servidores que compõem a equipe do CAPS. Por receio de perseguição política, eles optaram por manter as identidades em sigilo. Os funcionários não concordam com os argumentos apresentados por Airton Pegoraro e Ana Paula Falcão.

 “O CAPS hoje funciona exclusivamente com recursos próprios, não estando hoje habilitado pelo Governo do Estado. O primeiro motivo para não haver  a habilitação é que o próprio Governo Estadual ficou mais de dois anos sem abertura de processo para habilitação de novas unidades de CAPS, ao mesmo tempo que as gestões anteriores não conseguiram suprir a equipe mínima necessária. A falta de servidores não é novidade para ninguém e não é exclusiva do CAPS. O CAPS não tem, por exemplo, nem agente administrativo. Colocaram uma estagiária para fazer o serviço de um servidor. Quando a estagiária vai embora, a equipe técnica se reveza na recepção, gastando tempo que era para ser dedicado aos pacientes. Dizer que hoje o CAPS está irregular é, portanto, no mínimo um desconhecimento sobre o tema ou erguer uma bandeira em frente a sua própria omissão”, diz um relato.


O membro da equipe continua explicando que a unidade de Bariri, atualmente, não opera junto às Normas Operacionais que o SUS prevê: com terapias coletivas, grupos de convivência, terapeuta ocupacional. O motivo disso é o grande aumento da demanda por atendimentos graves, que ocupam a terapia individualizada e intensiva.

“Temos o triplo de pacientes que nossa capacidade instalada suportaria. A saúde mental é uma saúde invisível. Só quem passa por isso dá o real valor”, salienta.


Mensalmente, cerca de 650 munícipes passam pela rede de serviços oferecidos pela unidade.

“Até hoje o CAPS não teve nem a equipe mínima e estrutura exigida pelo Ministério da Saúde. Este é o único motivo pelo qual não foi solicitado a sua habilitação. O serviço sempre foi elogiado na região. Foi firmado convênio com Faculdade de Medicina da USP de Bauru, que enviam estagiários para atuarem aqui. Ora, se o serviço não é de qualidade, por que a USP confiaria em nosso CAPS?”, questiona.

 

Defasagem da equipe

Outro problema enfrentado pela equipe do CAPS é o baixo número de profissionais ofertados pela Rede Municipal de Saúde para atuarem ali. 

“Há a desfasagem de três profissionais na composição de ensino médio, além de contarmos somente com uma estagiária na recepção. Cabe ressaltar que a decisão de abertura da unidade do CAPS, sem o mínimo da estrutura necessária, não foi da equipe que hoje ali trabalha, mas sim de gestões passadas, que simplesmente deram um novo prédio e uma nova placa à antiga UAPS. A UAPS contava com três psicólogas; hoje, o CAPS conta com duas e o Ambulatório de Saúde Mental, que funciona no mesmo prédio, conta tem duas profissionais, uma adulto e uma infantil. Uma evolução ínfima em uma sociedade pós-pandêmica, que enfrenta inúmeras demandas psicológicas”.

 

Diferença entre CAPS e ambulatório

Outra questão que gera dúvidas é em relação a segmentação das funções dentro da unidade. Entre suas funções, o ambulatório, por exemplo, faz a avaliação de laqueadura e vasectomia.

“A divisão das unidades não é física, pois o prédio, na época, comportava as duas. São CNES diferentes. A definição do atendimento na classificação mediante triagem realizada pela equipe técnica do CAPS (enfermagem e serviço social), que se reúne com o Ambulatório semanalmente, para discussão de casos”


Cabe ao CAPS o atendimento de pacientes em situação de sofrimento mental grave, abuso de álcool ou drogas. Já o ambulatório fica com casos mais leves, como transtorno de ansiedade generalizada, alterações de humor, estresse e outros casos mais leves, que não exigem internação ou cuidados intensivos.

“Os pacientes e famílias que buscam atendimento encontram-se em uma situação sensível, difícil, muitas vezes no limite. As demandas são em sua maioria: depressão grave; tentativa de suicídio; abuso sexual; luto; abuso de álcool e drogas; sentimento de emoções negativas (como medo, horror, raiva ou constrangimento); comportamentos impulsivos; heteroagressividade; automutilação; problemas no trabalho; conflitos familiares e inúmeras situações que vivemos e que todos estamos sujeitos”.

 

Acolhimento das demandas 

Ainda segundo apurado por nossa reportagem junto à equipe do CAPS, nos últimos dois anos, foi implantado um sistema de atendimento à demanda porta aberta, que atende o paciente que passa por uma escuta qualificada e acolhimento de suas demandas para estratificação de risco. Anteriormente, esse serviço era realizado apenas mediante agenda.

“Em gestões anteriores, os atendimentos do CAPS eram mediante agendamento. Algo que somente deve-se aplicar à ambulatórios, pois o CAPS tem que ser porta aberta. Não havia classificação estruturada. Desde janeiro de 2023, a equipe técnica realiza a consulta de acolhimento destes pacientes por meio de consulta com a equipe de enfermagem, serviço social ou psicologia. A partir deste primeiro atendimento, é realizada a classificação de risco e as prioridades dos atendimentos são definidas. A equipe realizou a gestão de vagas, encaixes durante os dois últimos anos e viu uma grande melhora no fluxo da unidade”.

 

Sem oferta de café da manhã e transporte

De acordo com a equipe, outra estrutura que o CAPS necessita é o fornecimento de café da manhã e almoço aos usuários que tem perfil de participarem de oficinas diárias na unidade. 

“Nos últimos anos, não foi ofertado nem café da manhã para os atendimentos de grupo, que sempre foi uma solicitação da equipe, mas o orçamento da Saúde não conseguiu comportar. Há municípios da nossa região que disponibilizam, por exemplo, transporte aos pacientes para que participam das atividades na unidade. Hoje, como não é novidade para nenhum munícipe, não temos nem frota adequada de ambulâncias para atendimento das emergências. Nossa equipe sempre acompanhou as internações com carro particular, inclusive em casos de consultas domiciliares. Nosso serviço é muito bem feito mediante às ferramentas que o prefeito disponibiliza”.

 

Fila de espera

Atualmente, a fila de espera de adultos entre CAPS e Ambulatório de Saúde Mental, que dividem o mesmo prédio, inclui mais de 300 adultos e mais de 70 crianças e adolescentes em lista de espera. 

“E de quem é a culpa? Das psicólogas que realizaram mais de 2700 atendimentos em 2024? Da equipe de enfermagem e serviço social que realizaram mais de 1084 atendimentos? Hoje o que sinto, enviando esse texto é um sentimento de humilhação de servidores que dão o seu melhor naquela unidade”, finaliza.

 

O que diz a prefeitura?

Nossa reportagem entrou em contato com o chefe de Gabinete Tomás Paulino, questionado sobre a repercussão da fala de Airton Pegoraro sobre a suposta terceirização do CAPS. A Administração, através da Diretora de Saúde, emitiu a seguinte nota:

“No dia 17/03/2025, o Prefeito Sr. Airton Pegoraro realizou uma entrevista em uma rádio local onde a repórter questionou a atual situação do CAPS, pois há um número significativo de reclamações da população sobre a morosidade nos atendimentos e sobrecarga dos profissionais. Na ocasião, o prefeito pontuou a necessidade de habilitação do CAPS através do Ministério da Saúde a fim de que o município passe a receber recursos para a execução desse serviço, hoje custeado em sua totalidade pelo município, além de mencionar a dificuldade nas contratações de funcionários públicos. Dessa forma, apresentou como possibilidade para solucionar as questões a resolução desta problemática a parceria com o terceiro setor. No que diz respeito à prática sugerida, cabe-nos acrescentar que em contato com outras realidades vivenciadas por algumas administrações municipais, são comuns e consideradas positivas enquanto forma de otimizar recursos e/ou qualificar a execução dos serviços, facilitando a execução de políticas públicas, mas contudo a responsabilidade final pela gestão e pela boa execução dessas políticas permanecem com o poder público municipal que deve garantir a fiscalização e a qualidade dos serviços prestados à população.
 Considerando o que foi exposto pelo Sr. Prefeito, pode-se observar que, ao avaliar o primeiro trimestre de gestão, julgou imperativo implementar, ampliar e melhorar qualificar o serviço de saúde mental ofertado. O Prefeito tem visita agendada para conhecer o serviço executado por outros municípios credenciados no Ministério da Saúde para aprimorar seus conhecimentos e trazer as melhorias necessárias para Bariri.
O município deveria contar com dois equipamentos destintos, o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e o Ambulatório de Saúde Mental. A diferença ocorre principalmente no tipo de atendimento, complexidade e nível de cuidado ofertado. Os CAPS são unidades voltadas para o atendimento de pessoas com transtornos mentais graves, severos e persistentes. Eles oferecem atendimento especializado e multiprofissional (psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, entre outros), possuem um modelo de cuidado mais intensivo, com foco no acompanhamento contínuo e tratamento de longo prazo. Geralmente, os CAPS oferecem serviços como consultas, terapias em grupo e individuais, e apoio psicossocial (o que não ofertamos até o momento). Os ambulatórios de saúde mental, por outro lado, tendem a ser unidades de atenção primária ou especializada, mas com um atendimento menos intensivo. Geralmente, são voltados para transtornos mentais leves/moderados ou para acompanhamento contínuo de pacientes em tratamento ambulatorial. O atendimento é esporádico e menos intenso, sendo focado em consultas psiquiátricas, psicoterapias e, dependendo do serviço, apoio psicológico. Atualmente ofertamos esse modelo.
O compromisso é ampliar o cuidado em saúde mental, com a  proposta de desafogar “desafogar” a demanda do ambulatório, encaminhando ao CAPS pessoas que necessitem da reabilitação psicossocial, ou seja que estão com a sua funcionalidade e seus papéis sociais prejudicados pelo adoecimento psíquico, o que difere da demanda ambulatorial, além de aprimorar o fluxo de atendimento, visando a ampliação, acesso e agilidade, proporcionando maior qualidade  para a população e o cuidado com os profissionais que ofertam o serviço. A meta é que os atendimentos do CAPS ultrapassem os limites de sua estrutura física, podendo alcançar o munícipe que encontra barreiras concretas e subjetivas para acessar o serviço.
Além disso, a proposta visa também fortalecer a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do município, desde a Estratégia de Saúde da Família (ESF) até Leitos no Hospital Geral (Santa Casa) para que cada pessoa receba o atendimento adequado no lugar indicado.
A prefeitura esclarece que estudos estão sendo realizados pela Diretora de Saúde com o objetivo de agregar equipamentos e profissionais à nossa rede de cuidados em saúde com novas estratégias, estabelecendo prioridades e objetivos mais palpáveis. Quando pensamos em metas a pequeno, médio e longo prazo, passamos a ter conquistas reais na evolução da atenção prestada.” 

 

CAPS em números

Confira a seguir as estatísticas dos atendimentos realizados pela unidade nos últimos quatro anos:

ANO 2024
Consultas médico psiquiatra: 2.158
Consultas com psicólogas: 989
Consultas de enfermagem e serviço social: 1084
Escuta inicial/acolhimento de demanda espontânea sem encaminhamento: 889
Total de exames solicitados: 5098

ANO 2023
Consultas médico psiquiatra: 2.339
Consultas com psicólogas: 1425
Consultas de enfermagem e serviço social: 885
Escuta inicial/acolhimento de demanda espontânea sem encaminhamento: 1.774
Total de exames solicitados: 5642

ANO 2022
Consultas médico psiquiatra: 2.021
Consultas com psicólogas: 847
Consultas de enfermagem e serviço social: 885
Escuta inicial/acolhimento de demanda espontânea sem encaminhamento: 989

ANO 2021
Consultas médico psiquiatra: 2.436
Consultas com psicólogas: 812
Consultas de enfermagem e serviço social: 885
Escuta inicial/acolhimento de demanda espontânea sem encaminhamento: 224

AMBULATÓRIO DE SAÚDE MENTAL EM 2024
Consultas médico psiquiatra: 638
Consultas médico clínico geral: 1.392
Consultas com psicólogas: 1.767

AMBULATÓRIO DE SAÚDE MENTAL EM 2023
Consultas médico psiquiatra: 386
Consultas médico clinico geral: 383
Consultas com psicólogas: 725